Só Rio vê pouca utilidade nas reuniões do Infarmed, mas há quem critique o “círculo fechado”

O décimo encontro entre políticos e especialistas realiza-se nesta quarta-feira, quinze dias depois de uma reunião mais tensa do que o habitual.

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Uma das reuniões no Infarmed António Pedro Santos/Lusa

Não está tudo bem nas reuniões que quinzenalmente juntam políticos e peritos no Infarmed, mas o que existe é melhor do que o silêncio e a partilha de informação é melhor do que ficar na ignorância. Esta é a conclusão a tirar depois de vários partidos se terem pronunciado sobre o assunto, ora em declarações públicas, ora em resposta ao jornal i. Nesta quarta-feira realiza-se mais uma reunião, a décima mas também a primeira desde que Rui Rio apontou a pouca utilidade dos encontros. Nenhum outro partido é tão crítico como o PSD e as palavras de Rio serviram até para espicaçar o presidente do CDS, Francisco Rodrigues dos Santos, que estranhou que se prescinda deste exercício de transparência. Mas a verdade é que também há alertas que vêm dos especialistas.

O presidente do Conselho das Escolas Médicas Portuguesas (CEMP), Fausto Pinto, disse esta terça-feira que teme as consequências de um antagonismo entre políticos e a comunidade médica e científica em pleno combate à pandemia de covid-19, que se tem evidenciado nos últimos tempos.

“Era importante os políticos ouvirem de uma forma mais abrangente e não apenas aqueles por si nomeados ou que fazem parte do círculo mais fechado. Deviam ouvir ainda as academias”, afirmou, citado pela Lusa, acrescentando que seria mau se existisse um antagonismo, ou rivalidade, entre políticos e cientistas.

“A ciência não se compadece com a matriz política tradicional”, sublinha Fausto Pinto, para quem a colaboração entre decisores e comunidade científica “é fundamental” para atenuar a incerteza associada a situações sobre as quais não se dispõe de toda a informação. “Este não é um problema político, é um problema de saúde pública. E os políticos não estão habituados a isto, não estão habituados à incerteza da ciência”, concluiu.

Águas agitadas

No rescaldo da última reunião no Infarmed, agitaram-se as águas e os políticos decidiram pedir mais dados do que os que têm sido fornecidos, queixando-se da ausência de análises mais finas aos casos identificados – uma das informações pedida com mais insistência é a caracterização socioeconómica dos infectados. 

Desde então, a exigência parece maior, mas apenas o PSD questionou a utilidade das reuniões. “As primeiras reuniões, particularmente as primeiras duas, foram relevantes na exacta medida em que nós todos sabíamos muito pouco de epidemias, de pandemias, disto e aquilo. Foi a explicação da situação, e foram extraordinariamente úteis para quem a elas assistiu”, disse Rui Rio entrevistado pelo Porto Canal. Depois, “começou a ser um pouco mais do mesmo” e “muitas vezes [a apresentação técnica] não tem o encadeamento mais lógico”, revelou no último sábado. “Devo confessar que as últimas reuniões do Infarmed começam a ter pouca utilidade.”

Estas declarações surpreenderam Francisco Rodrigues dos Santos. Já esta semana, o líder do CDS quis deixar claro aos jornalistas, a partir de Braga, que os momentos no Infarmed são muito importantes. “Não prescindimos dessas reuniões e quero até dizer que é com alguma estranheza que constato que há partidos que querem prescindir delas, a menos que tenham já uma sinergia e uma articulação tão estreita e tão profunda com o Governo, quase como um espécie de um bloco central, que lhes permita obter informação por outras fontes e a considere fidedigna”, referiu.

Menos entusiasta, o Bloco também assegura que não vai abdicar da oportunidade de questionar directamente os peritos, apesar de reconhecer, como fez Catarina Martins à margem de uma visita a uma escola em Lisboa, que há reuniões que têm tido mais utilidade do que outras, claro”.

Para o PCP, o encontro é sempre um “importante contributo para partilha de conhecimento científico” e é “fundamental para a definição das políticas de prevenção”, segundo escreve o i. Na mesma lógica, o PEV considera que a estrutura é adequada e que os pedidos de esclarecimento permitidos são importantes.

Inês Sousa Real, líder da bancada parlamentar do PAN, sublinhou ao i o “ambiente construtivo”, reconhecendo que há por vezes “uma comunicação paralela, paradoxal e até incongruente” com a restante comunidade científica.

Os partidos mais críticos são os da direita, com a Iniciativa Liberal a dizer que as reuniões são uma “boa ideia mal-executada” e o Chega a defender, em declarações ao i, que são importantes, mas podiam sê-lo ainda mais se os “técnicos se libertassem da farda de elementos do Estado”.

Bom exemplo

Reuniões à parte, Fausto Pinto, que também é director da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, chama a atenção para a evolução do combate ao novo coronavírus, pedindo menos pressa. “Tínhamos todas as condições para sermos um bom exemplo e com aquela pressa toda estamos a ser agora um mau exemplo. Ficámos mal na fotografia e é preciso corrigir com as pessoas adequadas”, lamentou, ouvido pela Lusa.

Fausto Pinto recorre à linguagem futebolística para dizer que “às vezes são precisas chicotadas psicológicas”. “Albert Einstein dizia que as mesmas soluções para os mesmos problemas dão os mesmos resultados. Se calhar, é preciso haver também algumas mudanças.

Medidas assertivas, boa organização, identificação das cadeias no terreno, realização de testes e muita pedagogia são alguns dos conselhos deixados. Há todo um trabalho que se não for feito de forma coordenada pode evoluir para uma situação mais complexa. Não se pode baixar a guarda, concluiu.

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