Covid-19: Eurodeputados insatisfeitos com resposta à crise sugerem emissão de “obrigações de retoma”

Resolução assinada pelos líderes dos principais grupos do Parlamento Europeu diz que a pandemia de coronavírus exige reformas institucionais e um pacote maciço de investimento. Von der Leyen e Charles Michel garantem que o próximo orçamento será um Plano Marshall.

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Charles Michel Reuters/POOL

A pandemia de coronavírus “demonstrou os limites da capacidade da União para actuar de forma decisiva” e “expôs a falta dos poderes executivos e orçamentais da Comissão Europeia”, concordam os líderes das quatro principais bancadas do Parlamento Europeu, que assinaram uma resolução conjunta a apelar a uma “profunda” reforma institucional e a insistir na “urgência” da conclusão da união económica e monetária — essencial para que novos instrumentos financeiros, como a emissão de dívida conjunta, deixem de ser apenas uma hipótese teórica e possam tornar-se uma realidade.

De acordo com o rascunho de uma resolução conjunta sobre a “Acção Coordenada da União Europeia para Combater a Pandemia de Covid-19 e as suas Consequências”, a que o PÚBLICO teve acesso, os eurodeputados apontam os vários condicionamentos e limitações que impediram uma acção conjunta mais assertiva quando o vírus chegou ao território europeu. Notam, em particular, o grande esforço que ainda há a fazer na resposta à crise de saúde pública. 

Mas em relação à resposta à crise económica provocada pelo coronavírus, que pela sua natureza é incomparável às crises anteriores, os parlamentares europeus não têm dúvidas de que há margem para se fazer muito mais. “A União Europeia e os Estados membros têm recursos comuns para enfrentar a pandemia”, mas precisam de cooperar, num espírito de unidade e solidariedade. A crise jamais se resolverá na base de “acções unilaterais”, receitas ultrapassadas ou soluções incompletas, argumentam.

Entre as medidas de emergência que foram assumidas pelos governos nacionais, e as que foram aprovadas pelas instituições comunitárias, a União Europeia já “adiantou” quase três biliões de euros para sustentar as despesas acrescidas no sector da saúde ou a sobrecarga dos serviços sociais, para injectar liquidez no sistema financeiro e para apoiar as empresas, garantindo que a protecção dos postos de trabalho e manutenção da capacidade produtiva. Só que esse esforço não chega, dizem os eurodeputados.

“Apelamos à Comissão Europeia que avance com um pacote de investimento maciço para a recuperação e reconstrução da economia europeia, que vá além das medidas do Mecanismo Europeu de Estabilidade, o Banco Europeu de Investimento e o Banco Central Europeu, e que seja enquadrado pelo próximo quadro financeiro plurianual” para 2021-27, lê-se na proposta de resolução.

Esse pacote maciço tem de ser adequadamente financiado para poder responder à “disrupção económica” enquanto a crise durar: a fórmula defendida pelos eurodeputados passa pelo reforço do quadro plurianual, com um robustecimento dos programas, fundos e instrumentos financeiros já existentes, e ainda pela emissão de novos títulos garantidos pelo orçamento comunitário — no texto, são apresentados como “obrigações de retoma” e não como “coronabonds”, o nome que faz soar os alarmes em várias capitais e que é garantia de “bulha” nas reuniões dos ministros do Eurogrupo.

A solução proposta pelos líderes parlamentares “não envolve a mutualização da dívida existente”, e limita a partilha do risco associada a estes novos títulos, que teriam que ser exclusivamente “orientados para o investimento”. O financiamento deve ser canalizado para projectos consonantes com os objectivos do Pacto Ecológico Europeu para a transição energética, a agenda de transformação digital e a nova estratégia industrial para “tornar a Europa mais competitiva e resiliente a choques globais”, escrevem.

A proposta de resolução — que conta com as assinaturas de Manfred Weber e Esteban Gonzalez Ponz, em nome do Partido Popular Europeu; Iratxe García, dos Socialistas & Democratas; Dacian Ciolos, do grupo Renovar a Europa, e Philippe Lamberts, dos Verdes — sobe à votação na sessão plenária extraordinária agendada para esta quinta-feira, que é antecedida por um debate sobre a resposta da UE à crise do coronavírus, em que participam também os presidentes da Comissão e do Conselho Europeu.

Ursula von der Leyen e Charles Michel repetiram esta quarta-feira que a sua proposta para a recuperação e relançamento da economia europeia depois da crise do coronavírus assenta no reforço significativo do próximo quadro financeiro plurianual, sobre o qual ainda não existe acordo entre os líderes europeus. “Estamos a trabalhar numa nova proposta, para alavancar o dinheiro necessário para um plano maciço de investimento capaz de recomeçar o processo económico e relançar o mercado único”, disse a presidente da Comissão.

O orçamento comunitário, acrescentou Von der Leyen, “é o melhor instrumento para a coesão e a convergência, e também para a solidariedade europeia. É do interesse de todos os Estados membros investir num mercado único que tenha um level playing field e seja poderoso no contexto internacional”, considerou.

“Os efeitos colaterais na economia ainda não desconhecidos, e por isso não conseguimos fixar um número e dizer que este é o montante necessário para o apoio e a recuperação da economia. É por isso que falamos num plano do tipo Plano Marshall, pela sua ambição”, prosseguiu Charles Michel, para quem só depois de se ter melhor noção das necessidades de financiamento vale a pena desenhar os instrumentos. O presidente do Conselho reconheceu o desafio que terá pela frente, na próxima semana, na próxima videoconferência com os 27 chefes de Estado e governo, com “diferentes sensibilidades sobre a solidariedade europeia ao nível dos instrumentos que podem ser usados para a recuperação, como as famosas ‘coronabonds’”. 

A sua estratégia, revelou, passa por “abrir uma discussão estratégica” em quatro capítulos (mercado interno; plano de investimento; promoção do multilateralismo e das parcerias internacionais; resiliência e governança). “Temos de ser capazes de oferecer uma visão e respostas aos cidadãos europeus. Este é um processo que vai ser iniciado agora e prosseguir nas próximas semanas e meses”, estimou.

Com a aprovação garantida dos líderes dos grupos conservador, socialista, liberal e ecologista, a resolução conjunta pode ser entendida como mais do que um sinal político: é uma posição de força do Parlamento Europeu, que a uma semana de mais uma cimeira extraordinária dos chefes de Estado e governo da UE, deixa muito claras as suas exigências, a primeira das quais é “ser incluído, como parte integral e essencial, em todas as discussões sobre a resposta à crise e à subsequente recuperação”. Afinal, recordam os líderes de bancada, “o Parlamento Europeu é co-legislador, autoridade orçamental conjunta e a única instituição eleita directamente por sufrágio universal”.

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