Recebeu a mensagem? Gravações de voz falsas partilhadas no WhatsApp e Messenger geram alarme

A DGS já alertou que as mensagens de voz que andam a circular sobre mortes causadas pelo novo coronavírus em Portugal são falsas, mas é fácil ser-se enganado quando a mensagem vem “do amigo”.

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O máximo de utilizadores a que uma mesma mensagem de WhatsApp pode chegar de cada vez é 1280, visto que uma mensagem pode ser enviada a cinco grupos de uma só vez e cada grupo pode ter até 256 pessoas inscritas. PAULO PIMENTA

Não é fácil perceber a origem de mensagens de voz que são reencaminhadas no WhatsApp ou no Messenger. Ou quantas vezes foram reenviadas. Muitas vezes vêm de amigos, familiares, ou colegas de trabalho. Que também as receberam de um amigo, ou familiar, ou colega de trabalho ― e assim sucessivamente. E isso faz com que seja muito fácil divulgar rumores de forma descontrolada.

A Direcção-Geral de Saúde (DGS) já divulgou uma nota no seu site onde alerta que as mensagens que correm em grupos de mensagens sobre a morte de pessoas por covid-19 em Portugal não são verdade. Ainda assim, as mensagens continuam a ser partilhadas. “Há muito mais pessoas provavelmente infectadas do que aquelas que nós sabemos,” ouve-se numa das várias mensagens de voz que têm circulado nos últimos dias em grupos do WhatsApp e do Messenger, dois dos serviços de mensagens privadas do Facebook. 

“A Internet é um ambiente emocional. E numa situação de medo, como é o caso do novo coronavírus, é normal as pessoas quererem partilhar toda a informação que recebem. É uma questão de auto-preservação”, explica ao PÚBLICO Sérgio Denicoli, investigador na Universidade do Minho e responsável pela empresa da análise de dados AP Exata, que tem escritórios em Portugal e no Brasil e estuda a forma como os dados circulam online. “Muitas vezes, as mensagens até são enviadas por pessoas que escrevem ‘não sei se isto é verdade, mas’… As pessoas questionam, mas há menos filtração quando se tem medo.”

O trabalho de Denicoli foca-se principalmente no tipo de sentimentos associados a informação, mensagens e notícias falsas que circulam em redes sociais como o Facebook, Instagram e Twitter. Há muitos dados públicos disponíveis, mais fáceis de monitorizar. Embora a AP Exata ainda não tenha conclusões sobre a informação a circular sobre a covid-19 nas redes sociais em Portugal, dados extraídos de publicações no Twitter, escritas por utilizadores no Brasil no final de Fevereiro (65 mil tweets oriundos de 145 cidades brasileiras) já mostram que o medo e a tristeza são os sentimentos predominantes em mensagens sobre o vírus.

No caso das mensagens de voz virais já citadas, partilhadas nos grupos portugueses do WhatsApp e do Messenger, não se conhece a identidade dos autores, nem a origem. Foram todas enviadas por um amigo, que a recebeu de outro. As vozes identificam-se apenas como “médicos”, “profissionais de saúde” ou familiares de pessoas em altos cargos associados à saúde. O começo das mensagens – “meus amores”, “malta”, ou “querida família” – lembra sempre uma conversa entre amigos preocupados, e as setas sobrepostas no canto superior esquerdo das mensagens, que indicam que foi enviada a outras pessoas, passam facilmente despercebidas. 

Só que essas mensagens podem chegar facilmente a centenas de pessoas. No WhatsApp, por exemplo, o máximo de utilizadores a que uma mesma mensagem pode chegar é 1280, visto que ela pode ser enviada a cinco grupos de uma só vez e cada grupo pode ter até 256 pessoas inscritas.

“As pessoas estão cada vez mais conscientes de que há notícias falsas a circular nas redes sociais como o Facebook e o Instagram. Só que é fácil confiar e partilhar algo assustador que se recebe de um amigo num grupo de mensagens”, acrescenta Denicoli. Contrariamente a redes sociais, falar sobre a covid-19 através de mensagens também não remete para o site da Organização Mundial da Saúde. No Facebook e no Instagram, porém, a OMS surge no topo dos resultados sempre que se pesquisa sobre o novo coronavírus na rede social. 

Para ajudar a combater a desinformação através de mensagens de voz em Portugal, a equipa de monitorização de propaganda e desinformação nas redes sociais do laboratório de media do Instituto Universitário de Lisboa (Media Lab ISCTE-IUL) está a pedir que as pessoas partilhem com os investigadores todas as mensagens suspeitas. O objectivo é recolher informação para o projecto Informação e Desinformação sobre o Coronavírus nas notícias e nas redes sociais em Portugal.

O facto de as mensagens circularem em serviços de mensagens dificulta a análise directa. Como o WhatsApp é um sistema de mensagens encriptado, o Facebook também não consegue monitorizar as mensagens ou impedir a transmissão de informações incorrectas. Embora isto aumente a privacidade das conversas, governos dos EUA, Reino Unido e Austrália já pediram ao Facebook para criar uma forma de as autoridades conseguirem aceder a mensagens encriptadas nas aplicações da empresa. O argumento é que o acesso a mensagens trocadas nas aplicações é uma ferramenta vital para investigar casos de crime.

Há, no entanto, estratégias para perceber quando uma mensagem de voz a circular nos serviços do Facebook é suspeita. A equipa do WhatsApp sugere que se veja se há uma seta no canto superior esquerdo (a marca de todas as mensagens que são encaminhas), perceber a origem da história (a pessoa que enviou a mensagem conhece, pessoalmente, o emissor), e se está a ser repetida noutros lugares como órgãos de comunicação social ou os sites oficiais como a Organização Mundial da Saúde e a Direcção-Geral de Saúde.

No caso da pandemia da covid-19, Espanha é outro dos países onde têm circulado muitas mensagens de voz falsas – no caso espanhol, o objectivo parece ser a promoção do medo e preconceito face à população cigana no país. Na Índia, mensagens falsas sobre carne de aves como forma de transmissão do novo coronavírus levaram a uma quebra nas vendas.

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