A praia depois dos filhos

Meter estas tralhas todas no carro é, geralmente, a primeira prova de fogo e, quando finalmente fechamos a bagageira e percebemos que a família está toda sentada para partir já um rio de suor corre pelas nossas costas abaixo.

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"E sabem que mais? Eles estão tão felizes que, se calhar, amanhã repetimos a dose" Cátia Vide

Lembram-se daquele tempo em que uma ida à praia servia para descansar? Era um tempo em que uma mochila e uma pequena geleira chegavam e sobravam para carregar tudo o que necessitávamos e em que o pior que nos podia acontecer era que a gordura da bola de Berlim manchasse uma das páginas do livro que tínhamos escolhido levar.

Está a começar a bater a saudade, não está?

É que agora, depois de ter filhos, a logística de uma ida à praia é de tal forma complexa que, muitas vezes, dá vontade de desistir ainda antes de sair de casa. Em primeiro lugar vem o número incrivelmente elevado de sacos e saquinhos. São as toalhas, os protectores, as roupas para vestir depois, os calções e fatos de banho suplentes, as pás, os baldes, os ancinhos, as raquetes, as bolas… Também é importante não esquecer as fraldas do mais pequeno e as toalhitas que, como todas as mães sabem, dão sempre um jeitão. Ah, falta a comida, a água e os dois chapéus-de-sol porque, evidentemente, a sombra de apenas um deixou de ser suficiente.

Meter estas tralhas todas no carro, numa espécie de Tetris nível hard, é geralmente a primeira prova de fogo e, quando finalmente fechamos a bagageira e percebemos que a família está toda sentada e pronta para partir, já um rio de suor nos corre costas abaixo.

Depois vem a viagem… Se vivermos perto da praia temos essa parte facilitada mas, se não for esse o caso, bem que nos podemos preparar para ouvir infinitas vezes a pergunta que é transversal aos pesadelos de todos os pais deste país: “ainda falta muito para chegarmos?”. A primeira vez que a pergunta é feita, se tivermos sorte, é a cerca de cem metros do portão de casa. O problema é que depois vai sendo repetida uma e outra vez, num tom que passa da excitação à exaustão, em intervalos inferiores a cinco minutos.

Quando finalmente chegamos à praia o rio de suor já se transformou num mar e a pálpebra esquerda já apresenta aquele tremelique que anuncia a dor de cabeça. Acontece que as mães são gente de esperança e, como tal, quando inspiramos profundamente a brisa do mar, voltamos a acreditar que ir à praia foi uma ideia genial.

A genialidade começa é a ir pelo cano abaixo quando as leis de Murphy entram em cena e nada corre como seria suposto. Ou bem que está vento e não damos conta do chapéu do sol, ou bem que os nossos vizinhos do lado têm um cão que está a enlouquecer os nossos filhos… Vale tudo para desestabilizar. É por isso que nos sentimos umas super heroínas quando, finalmente, conseguimos marchar-nos para a beira-mar com todos os miúdos barrados com protector 50+ e nem sequer nos importamos de passar as próximas duas horas a escavar piscinas ou construir castelos de areia.

Trazê-los de volta à toalha é que se torna mais complicado. Isso e fazê-lo sem que corram e levantem areia por todo o lado. E é entre “cuidado”, “tens que sair da água agora que já tens os lábios roxos”, “senta-te lá aqui ao pé da mãe” e “pede antes ao pai que vá jogar à bola contigo” que o dia vai passando. O livro, que ingenuamente colocámos num dos sacos, vai continuar fechado, a bola de Berlim vai ficar por comer e, naqueles dias mesmo críticos, não nos conseguimos esticar ao sol na toalha nem uma única vez.

Mas depois, no caminho para casa, quando espreitamos pelo retrovisor e olhamos para eles, de pele dourada e manchada de sal, a dormirem profundamente nas cadeiras auto, pensamos que o dia até nem foi assim tão mau. Vendo bem, foi incrível que o mais novo tenha dado as primeiras braçadas e que o mais velho tenha comido, sozinho, três fatias de melancia.

E sabem que mais? Eles estão tão felizes que, se calhar, amanhã repetimos a dose.

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