Farofa idealizou a Kebraku, uma festa de “ritmos transantes, dançantes e rebolantes”

Itinerante, livre, alternativa: é assim a Kebraku. Criada por Rafael Henrique Victório, aka DJ Faroja, a festa “transversal e aberta” volta ao Maus Hábitos, no Porto, na véspera de Carnaval. É uma festa para “sarrar”, rebolar, transar. Mas, sobretudo, respeitar.

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Tiago Lopes

Quando Rafael Henrique Victório voltou ao Porto, em 2014, veio para ficar: trazia as malas cheias de vinis, prova de que a decisão estava tomada. A cidade não lhe era estranha. Foi onde — em 2011, enquanto fazia mestrado em Filosofia do Direito — os amigos o baptizaram Farofa. Alcunha que não só mantém enquanto DJ, como é o carimbo do que criou: a Kebraku.

O nome é auto-explicativo, mas o conceito vai mais além. Falamos de “uma festa de ritmos transantes, dançantes e rebolantes”, onde se dança “com liberdade”, mas sobretudo respeito. Uma festa “para a gente se divertir, com um clima incrível, onde as pessoas podem ser quem quiserem”, livres. As palavras são do próprio Farofa, fundador e organizador, em conjunto com mais três pessoas, do evento que conta com “mais de 40 edições e já passou por mais de 15 lugares no Porto” — e que se prepara para mais uma: a Kebraku Karnaval, marcada para 24 de Fevereiro, segunda-feira, no Maus Hábitos, no Porto.

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Rafael Henrique Victório, ou DJ Farofa, 34 anos Tiago Lopes

Mas para contar como nasceu a Kebraku, há que contar a história de Rafael e voltar a 2011, aos tempos em que o brasileiro, agora com 34 anos, ainda era estudante. “Durante os dois anos em que morei cá, senti falta de cultura e festas brasileiras, de um jeito de se divertir, de fazer festa e cultura consciente”, conta ao P3. Na altura eram poucos os espaços de “forró” e as festas que passavam música brasileira “só passavam músicas comerciais”. “Isso irritava-me porque eu não gostava que as pessoas ouvissem aquilo e achassem que era música brasileira”, refere.

Agarrou no bichinho que já tinha desde os tempos em que gravava CDs para oferecer aos amigos nos aniversários — com músicas “brasileiras, africanas e latinas” —, nos vinis que trouxe na mala (já a adivinhar o futuro) e no conhecimento que adquiriu ao longo do percurso na área do Direito, e começou a procurar formas de “divulgar a cultura brasileira” e de tentar acabar com “uma noite muito tóxica”.

“Quando voltei ao Brasil, depois do mestrado, comecei a aprender comunicação não violenta e a estudar algumas práticas sociais. Queria aplicar isso na cultura, através da música. Senti que em Portugal a noite era muito tóxica, o tabaco, o sexismo…” Para isso, começou por “trabalhar o Farofa”. “Fortificar o nome” e mostrar trabalho com recurso ao vinil (“Queria ser só de analógico”) no Espaço Compasso e em mais alguns espalhados pelo Porto.

Foi a “discotecar” que mostrou ao que vinha — e chegou um momento em que disse: “Pronto, o Farofa já está bom. Agora quero fazer a festa que represente tudo isso.” Era 2015 e nascia a Kebraku, uma festa que se queria “itinerante” e “alternativa em relação aos eventos que já existiam no Porto”.

“A ideia era criar uma festa que não fosse de música brasileira, mas sim de ritmos transantes, dançantes e rebolantes, e tudo o que nisso se encaixa.” E “tudo” pode ser “batucada, MCs ou hip-hop”. (Quase) tudo é válido nesta festa “bem transversal” e “aberta para que várias coisas aconteçam” — desde que seja “com respeito”.

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Kebraku/DR

Não precisam de se proclamar como uma festa “anti-racista, anti-fascista, anti-Bolsonaro ou LGBTQI+ friendly” para o serem. “A gente pratica isso de uma forma mais difusa”, explica o DJ. No seu caso, por exemplo, evita passar músicas com letras machistas — a não ser que haja um contexto específico para o fazer, como a utilização de uma linguagem machista para “se empoderar”. “Eu não sou contra músicas de sexo”, ressalva. “Acho é que as pessoas têm que transar mais, se libertar mais, se soltar mais. Mas com consciência, com respeito pelo outro.”

Quando a linha é pisada, a própria festa já se autoprotege. Farofa relembra quando parou a música depois de assistir a “um caso de sexismo” e falou ao microfone: “Aqui não é espaço para isso. É funk, é sobre sexo mesmo, é sobre tu rebolar a tua raba, tu sarrar um no outro, sobre liberdades corporais. Mas tu perguntas, tu não vais abusar.” E só voltou a colocar música quando a pessoa se retirou. 

Desde a primeira Kebraku, que aconteceu num bar na Travessa de Cedofeita, Rafael procurou também fazer parcerias com diversas associações, de forma a “dar saúde”. “Aqui em Portugal havia sempre a questão de pagar uma entrada e ganhar uma cerveja. Eu pensei que não queria dar droga às pessoas, queria que a festa fosse um momento de saúde, para exaltar as drogas que o teu corpo produz e se divertir com isso”, explica. Porque não, então, substituir a cerveja por um preservativo?

O próximo passo é “trabalhar a questão do tabaco”. Apesar de em todas as festas pedir aos participantes para evitarem fumar na pista, quer trabalhar a “consciencialização” com associações: “Eu dou a informação, quero que as pessoas tenham os motivos claros, mas não vou proibir nada.”

Para já, há encontro marcado para a véspera de Carnaval, a quarta vez que a festa acontece neste dia. Além do próprio Farofa, a Kebraku vai contar com a participação de DJ Phepz, KombiKats, A Mamanus e oWenceslau. Quanta mais gente, melhor: “Dividir multiplica o amor.” Porque, no final, é mesmo disso que Farofa gosta, de “discotecar, passar som, fazer festa, juntar as pessoas, falar sobre amor”. É que “as festas são bem isso: amor”.

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