Costa sem boa vizinhança à esquerda e com péssima à direita

Os dois dias de discussão do programa do Governo deixaram claro que a legislatura que agora se iniciou vai ser muito diferente da anterior.

Os dois dias de discussão do programa do Governo deixaram claro que a legislatura que agora se iniciou vai ser muito diferente da anterior. A esquerda que sustentou no Parlamento o anterior executivo, deixou claro a António Costa que tudo mudou e que, ou mostra serviço, ou não terá a estabilidade e a convergência que pediu. O PSD de Rio apresentou-se com um discurso duro e exigente e o CDS manteve a linha de tiro ao alvo que vinha de Cristas. Já a nova direita parlamentar, sem surpresas, chegou de caçadeira, disparando chumbo por todo o lado. Só o PAN não espetou, para já, qualquer farpa no Governo e André Silva até mostrou satisfação com a aproximação de Costa aos seus temas. O Livre tem um problema: a mensagem da sua deputada não passa devido à sua gaguez.

Costa apresentou-se no Parlamento a falar à esquerda como homem que, tendo casado há quatro anos de papel assinado, pediu o divórcio quando lhe saiu o segundo prémio do Euromilhões, mas quer continuar a ir almoçar e jantar de borla à casa da ex-mulher como se nada tivesse mudado. Só que a ex já lhe fez saber que não há refeições grátis e que, para comer, também ele tem de levar qualquer coisa para a mesa e não pode ser pouco.

Se quer comer, disse-lhe o BE, tem de negociar. O Bloco apresentou a António Costa um longo, exigente e oneroso caderno de encargos e Catarina Martins avisou mesmo que não passa cheques em branco.

O PCP, a quem Costa desafiou para continuar a fazer um caminho conjunto, fez saber que o programa do Governo não responde às necessidades do país e aconselhou Costa a não se fiar na aritmética parlamentar.

Uma aritmética levada ao debate por Costa logo no primeiro dia para dizer que, para o deitarem abaixo, a esquerda e a direita têm de juntar os votos. E esquerda não gostou de ver as contas feitas assim. O BE viu mesmo nas palavras do primeiro-ministro um “tom de desafio e ameaça”. “Não é o bom caminho se se deseja estabilidade a quatro anos”, avisou o líder parlamentar, Pedro Filipe Soares. O PCP, também através do líder da bancada, João Oliveira, disse que é “um mau prenúncio que o Governo parta já do princípio de que as suas propostas poderão suscitar a necessidade de derrota com tal aritmética.”

Ainda à esquerda, o Livre foi seguramente o alvo de mais comentários no hemiciclo e nos corredores parlamentares. E não foi pelas melhores razões. A gaguez da deputada Joacine Katar-Moreira faz com que as suas palavras, a sua mensagem, não passe de forma clara e, em alguns casos, não se entenda de todo. Foi assim nas três intervenções que fez. Talvez fosse bom o Livre começar a pensar em como pode resolver este problema.

O PAN, com um grupo parlamentar de quatro deputados, vive dias de euforia e André Silva, para já, até parece ter visto unicórnios arco-íris no programa do Governo.

Da vizinhança à direita do PS, como se esperava, não virá qualquer folga a António Costa e ao Governo. Rui Rio, na sua primeira intervenção, na quarta-feira, talvez por estar em campanha interna, resolveu entrar a pés juntos, usando as metáforas futebolistas que o presidente do PSD tanto gosta. Despejou quatro ou cinco temas polémicos a roçar o puro bota a baixo que tanto critica e sentou-se sorridente.

Até Costa, que franziu o sobrolho várias vezes durante a curta intervenção de Rio, pareceu surpreendido com tanta energia oratória e tão variada e inesperada temática. Acabou por não responder a quase nada do que lhe foi questionado e partiu para a ironia, questionando se o líder do PSD não estaria a estagiar para comentador televisivo. Acusou-o ainda de estar a fazer “julgamento de tabacaria” no Parlamento.

Já na quinta-feira, Rio apresentou-se assegurando que não fará uma política de bota a abaixo, deixando até em aberto a possibilidade de alguns acordos pontuais. Não abdicou, porém, de fazer fortes críticas ao Governo, apontando a sua má actuação em áreas como a justiça, a saúde e os serviços públicos - “as nódoas mais escuras da governação socialista”. E avisou António Costa para contar com uma oposição dura.

A nova bancada parlamentar laranja também deu nas vistas pelo comportamento bem mais reservado do que a anterior. Quase não se ouviram piadas, “bocas” ou críticas durante as intervenções de outros partidos. E a forma rápida com que todos os deputados se levantaram em aplausos quando o líder terminou a sua intervenção na quinta-feira mostrou que, pelo menos no Parlamento, Rio pode ir em frente que tem ali a sua gente.

No CDS, Cecília Meireles, a nova líder parlamentar, manteve o estilo agressivo de Assunção Cristas de não poupar o Governo em nenhuma área, ainda que de uma forma mais suave. Dos cinco deputados eleitos, apenas ainda a presidente não falou, mas foi ela quem mais acabou por dar nas vistas. Durante os dois dias de debate, Cristas mostrou-se sempre muito reservada, com o rosto fechado, como se estivesse mal com este e todos os outros mundos.

A nova direita parlamentar deixou claro que está ali para malhar. No PS, no Governo, em toda a esquerda e em quem mais se lhe atravesse no caminho. Os dois deputados eleitos fazem-no com estilos diferentes, ainda que com muita sintonia temática. João Cotrim Figueiredo, do Iniciativa Liberal, de forma mais calma e pausada. André Ventura, do Chega, de forma mais desabrida, parecendo por vezes ter engolido uma fanfarra balcânica, tal é a velocidade estonteante com que solta temas e adivinha tragédias bíblicas. Ventura foi o único deputado dos novos partidos com assento parlamentar que Costa não saudou.

Uma coisa ficou garantida após estes dois dias: vai ser uma legislatura muito animada.

Sugerir correcção
Ler 1 comentários