O PS e o desprezo pelo Bloco em público

Há muitos produtos tóxicos para a credibilidade da política e um dos mais tóxicos é a dissimulação.

A relação do PS com o Bloco transformou-se num monumento à hipocrisia política. Num país onde as ideias contam, as acções responsabilizam e as palavras valem, essa relação teria há muito dado lugar a uma aproximação definitiva ou uma ruptura incontornável. Em Portugal, não, impera o bullying do mais forte e a resposta interesseira do mais fraco. É rara a semana em que um militante ou o próprio primeiro-ministro não dizem em público o que o PS inteirinho diz em privado sobre a incongruência do Bloco, o extremismo do Bloco, a inconsistência do Bloco ou a falta de palavra do Bloco. Como é rara a semana em que não vemos e ouvimos alguém do mesmíssimo PS a dizer que o Bloco é um parceiro, que contam com o Bloco, que hão-de querer ouvir o Bloco. Em que ficamos?

Há muitos produtos tóxicos para a credibilidade da política e um dos mais tóxicos é a dissimulação. Aquele jeitinho que leva candidatos, ministros ou líderes partidários a dizer bem dos rivais pela frente, enquanto esperam apoios, para de imediato dizerem o pior pelas costas, quando esses apoios não são assim tão importantes. O Bloco foi tolerado até agora porque fazia falta à viabilidade do Governo. Como começa a ficar claro que o partido de Catarina Martins pode ser descartado na próxima legislatura (o PCP pode bastar para uma maioria e ainda há a reserva do PAN), o PS muda de perfil, passa de sedutor carente a dom Juan abastado e arroga-se a zurzir em público no parceiro que outrora enaltecia. “Ingratidão”, diz com razão Rui Rio.

Tínhamos percebido na aprovação da Lei de Base da Saúde que o PS e o PCP se tinham perfilado para deixar ao Bloco as sobras do acordo e sempre soubemos que os socialistas, a começar por Costa, preferem de longe a previsibilidade de Jerónimo de Sousa ao foguetório tantas vezes populista de Catarina Martins. Na hora de fazer planos para o futuro, é legítimo que o PS faça as suas escolhas. Ou que actue como se não tivesse feito escolha alguma. Mas que assuma uma ou outra condição. Afirmar, como Carlos César, que o programa do Bloco é um caminho para “voltarmos à bancarrota” ou notar, como António Costa, que é “um partido de mass media”, para no dia seguinte dizer que o PS quer “trabalhar com todos” é discurso que soa a falso. Se esta possibilidade é sentida e real, porque não trata o PS o Bloco como trata o PCP?

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