A descarbonização da ferrovia regional na Europa

Na próxima década, o sector ferroviário será alvo de grandes alterações devido à digitalização e inovação aplicável ao material circulante com a apresentação de alternativas de tracção ao diesel e à tradicional electrificação das redes ferroviárias.

A actual estratégia a longo prazo da Comissão Europeia para a redução das emissões de CO2 até 2050 no sector dos transportes pretende ir além do definido na última cimeira das Nações Unidas sobre o clima (COP24) e apresenta as próximas etapas e o futuro das políticas de transportes para a Europa, no qual a ferrovia será fundamental e peça-chave na descarbonização do sector.

Várias iniciativas políticas e legislativas começaram já a ser implementadas para reduzir em 40% as emissões de gases com efeito de estufa (GEE) até 2030, embora o objectivo mais ambicioso é que em 2050 a Europa seja uma das primeiras a alcançar zero emissões no sector e liderar este caminho à escala mundial. A Community of European Railway and Infrastructure Companies (CER) refere que a ferrovia é modo mais eficiente de viajar, com 28g CO2/km, quando comparado com o transporte rodoviário (102g CO2/km) e aéreo (244g CO2/km). E o estudo “Sustainable Transport Infrastructure Charging and Internalisation of Transport Externalities” (2018) da DG MOVE – Comissão Europeia vem reforçar a sua importância para a sustentabilidade ambiental do sector, dado que a ferrovia é a que cumpre melhor os princípios do “utilizador-pagador” e “poluidor-pagador” do que qualquer outro meio de transporte.

Mas, apesar destes resultados, há potencial para continuar a melhorar e inovar. Outros estudos e relatórios europeus apontam para o incentivo à produção de material circulante mais amigo do ambiente, através do desenvolvimento e promoção de um mercado de combustíveis alternativos e respectivas infra-estruturas para os produzir.

Tendo em consideração a actual estratégia da Europa para reduzir as emissões de CO2, as associações representantes do sector ferroviário CER, UNIFE (The Association of the European Rail Industry) e EIM (European Rail Infrastructure Managers), numa posição conjunta, sugerem aos decisores políticos que se actue no imediato para acelerar a descarbonização dos transportes a partir da promoção da ferrovia como a espinha dorsal da mobilidade sustentável, através da electrificação das redes ferroviárias, implementação no mercado de fontes de energia alternativas e reforço da investigação no sector ferroviário através de apoios financeiros a projectos na área da Inovação. Consideram também que, quando a electrificação não é economicamente viável (ex.: linhas regionais que servem regiões de baixa densidade demográfica ou para operações de last mile), o sector exige soluções de tracção alternativas ao diesel tais como baterias, gás natural liquefeito (GNL) ou células de hidrogénio. 

Esta transformação já começou e a ferrovia regional é a pioneira da mudança, estando a indústria ferroviária e operadores ferroviários europeus a apresentar e desenvolver soluções não só com o intuito de diminuir a dependência do diesel, mas também para reduzir os custos operacionais e de exploração em linhas regionais.

Actualmente, o operador espanhol Renfe tem em fase de testes na rede de via métrica da região das Astúrias uma automotora que foi convertida de tracção diesel para GNL, tornando-se Espanha o primeiro país europeu a ter em fase de testes um comboio movido a GNL. No que diz respeito a soluções híbridas (eléctrica-bateria), vão desde a plataforma WINK da Stadler Rail à Siemens, que, em parceria com o operador ferroviário austríaco ÖBB, está a desenvolver o protótipo do comboio Desiro ML Cityjet Eco para operar em linhas regionais parcialmente electrificadas. No mesmo sentido da multinacional alemã seguem a Bombardier, com o desenvolvimento do comboio regional Talent 3 BEMU, e a Alstom, que, em parceria com operador francês SNCF, está a desenvolver o projecto Régiolis Hybride. No Reino Unido há projectos em desenvolvimento que consistem na reconversão de material circulante diesel ou eléctrico construído na década de 80 e 90 em comboios híbridos.

Esta realidade demonstra a capacidade da indústria ferroviária em aproveitar os recursos já existentes ao nível do material circulante, caso seja tecnicamente possível. Mas é o hidrogénio que tem ganho destaque e no qual a DG MOVE tem mostrado particular interesse. As principais conclusões do documento “Study on the use of fuel cells & hydrogen in the railway environment” (2019), das iniciativas público-privadas Shift2Rail e Fuel Cells & Hydrogen Joint Undertaking, das quais a Comissão Europeia faz parte, referem que os comboios movidos a células de hidrogénio têm potencial para substituir 30% das unidades regionais diesel na Europa até 2030, bem como ser uma opção válida na reabertura de linhas regionais encerradas ao tráfego ferroviário e evitar custos acrescidos com a electrificação. No estudo é dado o exemplo da ligação regional transfronteiriça franco-espanhola Pau-Canfranc, encerrada há mais de quatro décadas e com previsão de reabertura em 2021. 

Reino Unido, Alemanha ou Áustria são alguns dos países que estão no grupo da frente na implementação do hidrogénio. A Alemanha tornou-se em 2018 o primeiro país no mundo a ter um comboio regional de passageiros movido a hidrogénio com a entrada em circulação das unidades Coradia iLint, da multinacional francesa Alstom. Em 2022, a Áustria, através do operador regional austríaco Zillertalbahn, será o primeiro país no mundo a ter comboios regionais de via estreita movidos a células de hidrogénio e nesse mesmo ano o operador francês SNCF pretende ter o seu primeiro comboio nos serviços regionais franceses com este tipo de tracção. Em Junho deste ano começaram os testes do HydroFlex, o primeiro comboio a hidrogénio a circular no Reino Unido. Portugal aparece no último grupo juntamente com países como a Bulgária, Croácia, Grécia, Lituânia ou Roménia.

Na próxima década, o sector ferroviário será alvo de grandes alterações devido à digitalização e inovação aplicável ao material circulante com a apresentação de alternativas de tracção ao diesel e à tradicional electrificação das redes ferroviárias. O impacto desta transformação vai mais além do que a questão ambiental, dado que apresenta uma nova variável positiva, não só no processo de decisão e de investimento na reabertura de linhas regionais ou rurais, como também na sustentabilidade económica de serviços regionais existentes, recorrendo a material circulante que se caracteriza pelos reduzidos custos de exploração. No entanto, esta realidade muito dependerá da estratégia que cada Estado-membro defina para o presente e futuro do seu transporte ferroviário.

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