“Há sempre resistências. Para alguém entrar, alguém tem de ceder o lugar”

A secretária de Estado para a Cidadania e a Igualdade, Rosa Monteiro, espera que nas eleições que aí vêm os partidos possam ter mais mulheres em lugares elegíveis.

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Rosa Monteiro: "Há resistências porque quem tem poder não o quer ceder Miguel Manso

Poder de decidir. Esta ainda é uma das piores dimensões da igualdade de género em Portugal, mas está entre as que mais têm progredido nos últimos anos. Tudo por causa dos sistemas de quotas introduzidos na política (2006) e na economia (2018). Rosa Monteiro já era uma das grandes defensoras das políticas de paridade antes de se tornar secretária de Estado para a Cidadania e a Igualdade.

Havia oposição e até chacota quando se começou a falar em quotas, mas há resultados reconhecidos pelo Instituto Europeu da Igualdade de Género. O sistema de quotas está a ser interiorizado?
Não podemos dizer que o sistema de quotas foi totalmente interiorizado. Há sempre resistências. Para alguém entrar, alguém tem de ceder o lugar. E quem tem de ceder o lugar é quem tem estado numa posição privilegiada ao longo de séculos. É importante compreender que as políticas de paridade são acções temporárias que visam a transformação das organizações para representarem aquilo que é a diversidade da população. Se a população é constituída por homens e mulheres, também as organizações o devem ser. Isso tem impacto a nível de descriminação salarial, faz com que consigamos de forma mais rápida transformar as organizações e as práticas das organizações, que ainda são muito baseadas num sujeito universal, que não é nada universal, que é masculino, que afasta as responsabilidades do cuidado.

De acordo com o Índex da Igualdade de Género, um dos aspectos em que Portugal está a evoluir menos é no modo de usar o tempo.
Sabemos que só 19% dos homens realizam tarefas domésticas [e 28% dedicam pelo menos uma hora por dia a cuidar de alguém]. É aí que estão as raízes. Só eliminamos a desigualdade salarial e a reduzida participação de mulheres nos cargos de decisão quando eliminarmos o que está na base disso, os estereótipos de género, que dão origem a assimetrias. As mulheres assumem mais responsabilidades domésticas que as colam ao chão. Os tectos de vidro também funcionam porque existe esta sobrecarga [com a casa e com a família]. As políticas de conciliação que estamos a promover visam facilitar a participação de mulheres e homens. O modelo de sociedade que defendemos é um modelo em que mulheres e homens partilham as responsabilidades e têm vida pessoal, familiar, profissional.

As listas para o Parlamento Europeu ainda não foram abrangidas pela quota de 40%. As listas para a Assembleia Legislativa Regional da Madeira, em Setembro, e para a Assembleia da República, em Outubro, já serão. Qual é a sua expectativa?
Nas europeias, ficámos com 43% de mulheres. O facto de termos tido listas paritárias 50/50 foi importante. Conseguimos que a quota subisse [de 33,3%] para os 40%, conseguimos que as listas que não cumprirem vão ser rejeitadas e não sujeitas a coima, não conseguimos a ordenação dos dois primeiros lugares. Ainda assim, esperamos que [nas eleições que aí vêm] os partidos possam ter mais mulheres em lugares elegíveis. A ordenação dos primeiros lugares da lista ia combater a tendência para as mulheres ocuparem os lugares número três, seis, nove, onde têm menos hipóteses de serem eleitas do que se estiverem nos lugares um, dois, quatro ou cinco. Na discussão da lei, ouviu-se muito dizer que nas terras pequenas não haveria mulheres para as listas. Isso é um disparate. Há resistências porque não se compreende o que são políticas de acção positiva e porque quem tem poder não o quer ceder. 

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