Paridade nas empresas: “Equilíbrio numérico não é igualdade”

Investigadoras querem saber como empresários vêem a aplicação da lei da paridade nas empresas. Quotas podem não ser suficientes para transformar as dinâmicas internas, mas há medidas que podem promover mais igualdade.

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Miguel Manso

Em que medida a lei que exige mais paridade nos órgãos de gestão das empresas públicas e cotadas em bolsa está a gerar mais igualdade entre homens e mulheres? Uma coisa é certa: “Equilíbrio numérico não é igualdade”, afirma Sara Falcão Casaca, professora do Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade de Lisboa (ISEG) e coordenadora do projecto Women on Boards, o “primeiro estudo compreensivo sobre mulheres nos órgãos de gestão em Portugal”, que pretende acompanhar o processo de implementação da Lei n.º 62/2017.

Desde Janeiro de 2018, as empresas do sector empresarial do Estado e Local têm que eleger 33,3% de mulheres para os novos mandatos dos seus órgãos de administração e fiscalização. No caso das empresas cotadas em bolsa, o patamar mínimo de representação feminina após as assembleias gerais electivas desde Janeiro de 2018 é de 20%, passando a 33,3% a partir de Janeiro de 2020. Na altura da recolha destes dados, havia 43 empresas cotadas (hoje são apenas 40), 160 empresas do sector empresarial do estado e 150 empresas do sector empresarial local.

O projecto Women on Boards foi apresentado publicamente no final de Março, em Lisboa. Até 2021, a equipa quer saber o que é que está a mudar (ou não) nas dinâmicas internas. “Estamos só a falar de equilíbrio numérico, ou as pessoas têm a percepção de que está a haver uma mudança qualitativa no sentido da igualdade efectiva? Mulheres e homens estão em igualdade nos processos de tomada de decisão estratégica relevantes que passam pelos conselhos de administração?”, questiona a investigadora.

Em Julho do ano passado, as mulheres representavam 16% dos membros dos órgãos de administração de empresas cotadas em bolsa (12% em Julho de 2017). Nas empresas do sector empresarial do estado, as mulheres representam 31% do total de membros dos órgãos de administração (28% no ano anterior), enquanto nas empresas do sector empresarial local elas são 28% (20% do mesmo mês de 2017). Em 2018, segundo dados do Instituto Europeu para a Igualdade de Género (​EIGE), as maiores empresas portuguesas cotadas em bolsa tinham uma média de 21,6% de mulheres nos órgãos de decisão. Na apresentação do projecto, as investigadoras indicavam que mais de metade das 40 empresas cotadas em bolsa já tinham renovado os seus mandatos desde a mudança na lei, um processo no final do qual os resultados em termos numéricos serão mais claros.

Contudo, ainda que os números globais tendam a aproximar-se do desejado por força da lei, a proporção é menos animadora quando se fala do número de mulheres em cargos executivos: apenas 10% em Portugal, de acordo com o Eurostat. Elas têm um peso maior (29,1%, segundo dados de 2018) em funções não-executivas, de monitorização ou supervisão, por exemplo. Parte do projecto Women on Boards passará também por uma análise às dinâmicas intra-board, tentando desvendar “como é que se decide quem ocupa os lugares executivos e não executivos”, explica a investigadora.

E nos cargos de topo? Podemos falar num “tecto de vidro”, essa barreira invisível tão difícil de ultrapassar? Entre as empresas do PSI20, nenhuma é liderada por mulheres. A nível europeu, no ano passado, apenas 6% das maiores empresas tinham mulheres como CEO. 

Todos estes dados serão recolhidos e sistematizados no WoBómetro, um índice que vai avaliar não apenas as conquistas em termos de “igualdade numérica”, mas os instrumentos postos em prática pelas empresas e ainda eventuais diferenças nas remunerações médias de homens e mulheres. Os primeiros resultados deste ranking serão divulgados em Junho.

Visto de dentro

E o que pensam os administradores? Qual é a sua percepção sobre a efectividade da lei? Há diferenças entre o que pensam mulheres e homens sobre as novas obrigações? A equipa do Women on Boards quer ouvi-los.​ Para já, foram contactadas todas as 350 empresas abrangidas pela lei, de forma a fazer chegar um questionário a todos os elementos tanto dos conselhos de administração como de fiscalização. Numa fase posterior, as investigadoras querem ouvir algumas destas pessoas através de entrevistas em profundidade, para compreender as mudanças na lei.

Algumas pistas sobre a importância deste tema também podem ser encontradas na reacção dos próprios mercados a estas mudanças. Desde a resolução do Conselho de Ministros de 2015, em que foram lançadas as bases para a lei actual, à entrada em vigor da mesma, em 2017, a equipa do Women on Boards vai tentar perceber como as bolsas de valores respondem a estas notícias. Na percepção da investigadora Maria João Guedes, docente do ISEG e integrante do projecto, o mercado em Portugal “não é muito reactivo”.

Tendo em conta o que se conhece da realidade de outros países sobre os processos de integração de mais mulheres nos cargos de decisão, o que se espera que seja diferente em Portugal? “A obrigatoriedade de haver planos para a igualdade nas respectivas organizações”, lança Sara Falcão Casaca. “Este requisito deveria estimular as organizações a promover uma maior igualdade internamente, em todas as áreas”. 

O projecto tem ainda uma componente de reflexão, com a participação de entidades como a Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego e a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, e ainda redes de mulheres executivas. Os resultados deverão ser conhecidos em meados de 2021, com a apresentação de um livro branco que abordará os sucessos e fragilidades na aplicação da lei, que iniciativas complementares no seio das empresas funcionaram e também recomendações sobre o que pode ser feito, do ponto de vista das políticas públicas, para potenciar um ainda maior equilíbrio entre mulheres e homens nos lugares de decisão das empresas.

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