Ordem dos Enfermeiros vai agir judicialmente contra sindicância determinada por ministra

Advogado diz que que se trata do “primeiro e único” caso de uma sindicância a uma ordem profissional em Portugal. Ministério remeteu à inspecção cópias de mais de dez publicações da bastonária no Facebook, de várias notícias da agência Lusa e de muitas outras notícias ou entrevistas divulgadas em jornais nacionais.

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LUSA/Tiago Petinga

A Ordem dos Enfermeiros (OE) vai agir judicialmente contra a sindicância determinada pela ministra da Saúde, considerando que o que esta averiguação pretende é condenar a Ordem por delito de opinião.

Em declarações aos jornalistas, a bastonária da OE, Ana Rita Cavaco, considerou que a fundamentação para sindicância é baseada em notícias da comunicação social e em publicações de dirigentes da Ordem dos Enfermeiros no Facebook. “O que a senhora ministra quer é condenar-nos por delito de opinião”, afirmou a bastonária, Ana Rita Cavaco, adiantando que a sindicância vai prosseguir, mas que a OE não considera válidos os fundamentos e vai reagir judicialmente.

O advogado que representa a OE escusou-se a especificar qual a forma desta reacção jurídica, mas indicou que poderá ir além do campo administrativo. “Pode levar-nos a questionar a legalidade destes actos em outros aspectos”, afirmou Paulo Graça.

"Ilegalidades graves"

A bastonária indicou, por seu lado, que a OE detectou “algumas ilegalidades graves nos despachos” da ministra, sem especificar, mas acrescentando que lamenta que a ministra queira aferir uma legalidade “que a própria não cumpre”.

A sindicância feita pela Inspecção-Geral das Actividades em Saúde (IGAS) por determinação da ministra devia ter começado hoje de manhã, tendo os inspectores chegado à sede da Ordem, em Lisboa depois das 10h, mas a Ordem exigiu primeiro ter acesso ao despacho da ministra, aos fundamentos e aos elementos de prova, documentos que só chegaram pelas 14h.

Nos documentos remetidos pelo Ministério da Saúde à IGAS, aos quais a Lusa teve acesso, é pedida uma “sindicância com carácter de urgência” face “à gravidade das situações”. Entre os argumentos do gabinete da ministra Marta Temido estão “declarações públicas susceptíveis de indiciar actuações cuja legalidade suscita dúvidas”, quer da parte da bastonária como de outros dirigentes da Ordem.

Os documentos remetidos à inspecção incluem cópias de mais de dez publicações da bastonária no Facebook, de várias notícias da agência Lusa e de muitas outras notícias ou entrevistas divulgadas em jornais nacionais.

Algumas dessas declarações, como o próprio gabinete da ministra disse no documento enviado à IGAS, são referentes às greves cirúrgicas, que em Novembro do ano passado e em Fevereiro deste ano decorreram em blocos operatórios de hospitais públicos. O despacho refere-se ainda a relatórios de contas de 2016 e 2017 com diferenças entre os montantes apresentados.

Sobre este aspecto, a bastonária Ana Rita Cavaco recordou que a ministra Marta Temido já tinha levantado dúvidas sobre os relatórios e contas da Ordem relativos a 2016, quando era presidente da Administração Central do Sistema de Saúde, mas que o secretário de Estado de então, Fernando Araújo não viu fundamento para remeter o assunto para a IGAS.

Na base dessas dúvidas, refere Ana Rita Cavaco, estará o facto de a ministra ainda não ter percebido que a Ordem dos Enfermeiros é composta por uma sede e por cinco secções regionais, sendo que as demonstrações financeiras da Ordem “Nacional” resultam “de uma soma de todas as secções e da sede”.

Mas não se trata de uma soma aritmética simples, mas antes o consolidado das contas da sede e das cinco secções regionais.

"Primeiro e único caso"?

De manhã, o advogado da Ordem explicara aos jornalistas que “o acto de sindicância a uma ordem profissional só pode ser feito nos termos da lei, de acordo com circunstâncias muito graves”. “É preciso que haja indícios muito sérios que coloquem em causa o exercício da legalidade e, por isso, exigimos conhecer esses fundamentos para poder, se for caso disso, em tribunal, defender a sua [da Ordem] gestão”, declarou. Paulo Graça destacou que se trata do “primeiro e único” caso de uma sindicância a uma ordem profissional em Portugal.

A pedido da ministra da Saúde, a IGAS decidiu avançar com uma sindicância à Ordem dos Enfermeiros. Os inspectores dirigiram-se nesta segunda-feira à Ordem, em Lisboa, e foram recebidos por um grupo de enfermeiros que ao som de Grândola Vila Morena gritaram m “25 de Abril sempre, fascismo nunca mais”.

A IGAS também publicou um anúncio no qual que convida “todos os que tenham razão de queixa ou agravo contra o regular funcionamento” desta entidade a apresentarem as suas participações. Uma sindicância é um processo de averiguação geral sobre o funcionamento das instituições.

Pedida por Marta Temido “no exercício dos poderes inspectivos decorrentes da tutela de legalidade do Governo sobre a Ordem dos Enfermeiros”, a sindicância tem como objectivos indagar “indícios de eventuais ilegalidades resultantes de intervenções públicas e declarações dos dirigentes da OE” e averiguar a gestão das contas da Ordem, adiantou ao PÚBLICO, na semana passada, o gabinete da ministra.

Mas não só. Visa igualmente perceber se há ilegalidades nas actividades realizadas pela OE e "eventuais omissões de actuação dela decorrentes, em detrimento da efectiva prossecução dos fins e atribuições que lhe estão cometidos por lei”.

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