Campos de concentração e centros de morte nazis: desfazer a confusão

Reveladores da forma como se diferenciaram os campos de concentração dos centros de morte do genocídio dos judeus, são números que não posso deixar de referir, embora lembrando que cada um deles representavam seres humanos, com nome, nacionalidade, idade, sexo e situação diversa.

No dia 22 de Novembro de 1945, o Diário Popular, jornal que tinha nascido em plena guerra mundial e ainda não estava sob os olhares da Censura, como a outra imprensa, conseguiu publicar a primeira parte de uma “impressionante entrevista” com “O homem que veio do outro mundo”, sobre um português libertado do campo de concentração de Dachau pelos norte-americanos. Tratou-se de José Agostinho das Neves, livreiro em França, denunciado em 1940 por ser antinazi e encarcerado no campo de internamento francês de Le Vernet. Ao ser considerado apto a trabalhar pela Gestapo, foi deportado para Dachau, em 1944, de onde, após longas formaturas ao frio, uns partiam para o trabalho forçado, enquanto os outros eram enviados para as câmaras de gás.

Esta última frase poderá indicar que o campo de Dachau também se incluiu no Holocausto, ou na Shoá, ou “solução final da questão judaica”, nome dado pelos nazis. Aconteceu que, nesse período, chegaram a Dachau, vindos de outros campos, prisioneiros muselmänner, como eram chamados os que estavam “no fim da linha”, demasiado debilitados para trabalharem, que foram assassinados na câmara de gás. No final da guerra, com a aproximação do Exército soviético à Polónia, muitos outros prisioneiros, na sua maioria judeus, foram enviados nas “marchas da morte”, por exemplo de Auschwitz, para os campos de concentração na Alemanha.

Relativamente aos portugueses, alguns estiveram de facto em campos de concentração, devido a motivos comuns ou políticos. Já relativamente a judeus de ascendência portuguesa, ou com documentação portuguesa, alguns da Bélgica, Salónica, França e sobretudo da Holanda foram de facto assassinados nos centros de morte da Polónia. Para os nazis, estes eram judeus, independentemente de serem portugueses – ou de um país neutro, do qual a Alemanha importava produtos cruciais para o seu esforço de guerra –, mesmo se houve da parte daqueles o cuidado de não alienarem a boa vontade de Salazar. Foi o que aconteceu, em 1943, quando a própria Alemanha nazi permitiu a sua repatriação para Portugal, embora o ditador português quase nada fez e só foram salvos uma centenas de judeus.

Seja como for, há uma certa confusão entre campos de concentração nazis e centros de morte de judeus, incluído na Shoá, para a qual contribui também o facto de, na Polónia ocupada, dois dos campos, Maidanek/Lublin e Auschwitz, terem servido em simultâneo de concentração, trabalho forçado e morte. Proponho-me assim contribuir para desfazer essa confusão, aliás ligada por vezes ao desconhecimento da ideologia racial nazi onde o anti-semitismo foi central e desembocou no genocídio.

Campos de concentração e centros de morte nazis

Os campos de concentração (em alemão, Konzentrationslager, KL ou KZ), aliás diferenciados dos de extermínio pelos nazis, foram criados na Alemanha nazi antes da eclosão da guerra, para encarcerar, em terríveis condições, os presos, capturados arbitrariamente, sem qualquer protecção jurídica. A polícia nazi e a SS prendia “preventivamente”, sem qualquer fiscalização judicial e por duração indeterminada, visando inicialmente os opositores políticos, mas também “associais” e religiosos. Tratou-se de um campo de detenção preventiva ("custódia protectora"), nas mãos da SS a partir de 1934, destinada a eliminar inimigos da Comunidade Nacional (Volksgemeinschaft).

Alguns “arianos” poderiam ser remetidos para “bom caminho”, através da redenção pelo trabalho forçado, mas, devido ao facto de o serem, os judeus eram pouco numerosos. A partir de 1937/38, a SS começara a retirar benefícios económicos do trabalho dos presos, primeiro em Mauthausen, criado na Áustria, em 1938, e em Neuengamme, em 1940, onde eram também raros os judeus. A partir do começo da Shoá, em 1941, estes viriam a ser deportados para Zwangsarbeitlager für Juden (ZAL), campos de trabalho forçado para judeus, na Polónia ocupada.

Entre os campos de concentração Nazis contaram-se: Dachau, criado em 1933, Sachsenhausen/Orianenburg (1936), Buchenwald e Lichtenburg (1937). Este e o campo de Ravensbrück (1939) eram destinados a mulheres. Já durante a II Guerra Mundial, quando se encheram de resistentes dos países ocupados, foram abertos os de Gusen e Flossenburg (1939), Auschwitz I, na Polónia (1940), Struthof-Natzwiller, na Alsácia, Neuengamme, perto de Hamburgo, Gross-Rosen, Stutthof (1942), Maidanek (1943), Hinzert, Dora-Nordehausen, muitos dos quais tiveram câmaras de gás. Theresienstadt e Bergen-Belsen foram campos com objectivos diferentes, o primeiro para ser mostrado à Cruz Vermelha e o segundo para internar judeus passíveis de serem trocados.

Campos de extermínio ou centros de administração da morte

A expressão “campo de extermínio”, usada já durante a guerra e depois no tribunal de Nuremberga, em 1945, permitiu distinguir a política concentracionária, por um lado, dos locais do genocídio, por outro lado. No entanto, como observou o historiador Tal Bruttmann, é ambígua, pois Chelmno, Belzec, Treblinka e Sobibor numa foram campos de detenção, pois o assassinato das vítimas ocorria à chegada. É, por isso, hoje utilizado por muitos historiadores o termo de centros de administração da morte (centre de mise à mort, em francês) ou de morte imediata, como preferiu chamar-lhe Raul Hillberg.

Concebidos segundo o modelo dos locais utilizados no âmbito das operação T4, de eutanásia estatal de doentes físicos ou mentais e deficientes, e diferentemente dos campos de concentração, estes centros permaneceram secretos e foram destruídos pelos próprios nazis, em 1943. Lembre-se que o processo de destruição dos judeus foi realizado de duas formas: ou através dos grupos móveis, Einsatzgruppen, da polícia SS, ou dos centros de morte, entre os quais os já referidos da “operação Reinhard” (destruição de todos os judeus do Governo-Geral da Polónia ocupada), também utilizados para assassinar milhares de ciganos, polacos e prisioneiros de guerra soviéticos.

Reveladores da forma como se diferenciaram os campos de concentração dos centros de morte do genocídio dos judeus, são números que não posso deixar de referir, embora lembrando que cada um deles representavam seres humanos, com nome, nacionalidade, idade, sexo e situação diversa. A mortalidade atingiu cerca de 30 a 55% dos cerca de 1.650.000 prisioneiros no sistema concentracionário, enquanto a quase totalidade dos 2.600.000 judeus deportados para os seis centros de morte na Polónia, entre 1941 e 1944, foram assassinados à chegada. Em Chelmno, Sobibor, Belzec e Treblinka, onde foram assassinados mais de 1.650.000 judeus, a mortalidade oscilou entre os 99,95 e 99,99%.

A estes quatro centros de morte acrescentaram-se, também para o assassinato em massa, os campos de Majdanek, e Auschwit-Birkenau, pois Auschwitz, que é hoje o paradigma da Shoá, foi na realidade um conjunto de vários campos. Por um lado, havia o de concentração (Auschwitz I), criado em 1940, por outro lado, o de trabalho forçado para judeus (Buna-Monowitz), criado em 1942, e o de extermínio (Auschwitz-Birkenau), a funcionar desde a primavera deste último ano; para onde foram deportados 1.100.000 judeus, 90% dos quais foram assassinados, tal como milhares de ciganos, polacos e prisioneiros de guerra soviéticos.

Bibliografia

Wieviorka, Annette, L´expression camps de concentration au 20ième siècle, Revue d´Histoire, Presses de Sciences Po, n.º 54, avril juin 1997, pp. 4-12

Kotek Joel, Rigoulot, Pierre, Le siècle des camps, J.C. Lattès, 2001

Bruttmann, Tal, Tarricone, Christophe, Les 100 Mots de la Shoah, PUF, 2016

Bruttmann, Tal, Auschwitz, La Découverte, 2015

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