A importância de rejeitar Orbán

A governação de Viktor Orbán é uma ameaça aos valores da União Europeia e coloca em risco a coesão socioeconómica que pretendemos alcançar na Europa.

A primeira vez que fui a Budapeste foi em 2011, um ano depois da tomada de posse de Viktor Orbán. Enquanto caminhava nas ruas da capital húngara, dei por mim no meio de uma manifestação de neonazis, que entoavam cânticos e faziam várias demonstrações corporais de índole nazi, naquele que era um dia de glorificação de um ex-colaboracionista húngaro do regime alemão durante a Segunda Guerra Mundial.

Fui a Budapeste pela segunda vez o ano passado, em 2018. Nessa ocasião, num sábado à noite, num muito concorrido bar da cidade, deparei-me com um conjunto de homens que envergavam orgulhosamente, ao peito, autocolantes com a mensagem “White lives matter” (“As vidas de brancos importam”). Este movimento está associado a grupos de supremacia branca, que se consideram opositores do movimento que luta pela eliminação do racismo nos EUA, “Black lives matter” (“As vidas de negros importam”). Quando saí, um amigo meu questionou o segurança do espaço sobre a presença de pessoas com mensagens racistas no interior. O segurança riu-se e, tranquilamente, arregaçou a manga da camisola para mostrar a tatuagem que tinha no braço – “Blood and honor” (“Sangue e honra”), um muito conhecido epíteto nazi.

Voltei a Budapeste no fim de semana passado, entre 8 e 10 de março. Mal aterrei, a primeira coisa que vi – é impossível não os ver, tal a quantidade que existem espalhados pela cidade – foram cartazes com a mensagem “Tem o direito de saber o que Bruxelas se prepara para fazer” (“Önnek is joga van tudni, mire készül Brüsszel”, no original húngaro), acompanhados das imagens de George Soros e de Jean-Claude Juncker. Além dos cartazes, o governo húngaro enviou uma carta a todos os eleitores, onde enunciava a tal informação sobre o que Bruxelas preparava – um chorrilho de mentiras sem fundamento.

Para além do que é visível a olho nu, as desigualdades socioeconómicas na Hungria não param de aumentar – o coeficiente de GINI (que analisa a distribuição de riqueza num país) contraria a retórica do Governo de Orbán –, enquanto em Portugal têm vindo a baixar; no índice de transparência, que avalia a corrupção em vários países no mundo (da Transparency International), a Hungria apresenta-se em 64.º lugar; Portugal é 30º. A inflação em 2018 na Hungria era de 2,9%, e em Portugal era de 1,2%.

A tudo isto soma-se, ainda, a abertura histórica de sanções à Hungria, no âmbito do Artigo 7.º do Tratado de Lisboa. O relatório do Parlamento Europeu refere que o Governo de Orbán perseguiu migrantes, refugiados e grupos étnicos, como os ciganos, havendo indivíduos no governo que beneficiam dos fundos europeus e dos contribuintes, bem como a alteração da Constituição, a interferência no poder judicial, a perseguição aos media, à autonomia académica, ou a restrição de liberdades como a religiosa ou de associação.

Naturalmente, não é sobre os húngaros que recai o objeto desta crónica. É sobre a ação governativa de Viktor Orbán, primeiro-ministro da Hungria, que recai esta análise. Estes resultados são, aliás, fruto da ação direta de um governo ultraliberal na economia e ultraconservador nos valores. São o resultado de uma política que não se preocupa com a redução de desigualdades, que exclui e discrimina minorias, que viola a separação de poderes, Estado de Direito e o sistema democrático, e que é uma ameaça à liberdade de expressão.

A governação de Orbán é uma ameaça aos valores da União Europeia e coloca em risco a coesão socioeconómica que pretendemos alcançar na Europa. São a maior ameaça ao projeto europeu que tanto temos defendido e procuramos aprofundar. O seu discurso antieuropeísta não podia estar mais no espectro oposto daquilo que, enquanto socialistas, defendemos para a Europa.

Queremos nestas eleições europeias e ao longo dos próximos cinco anos colocar um novo Contrato Social no topo das nossas prioridades, condições de trabalho dignas, com salários dignos. Queremos tornar os programas europeus mais inclusivos, pugnar por uma educação que permita enfrentar os desafios de um mercado de trabalho em transformação, garantindo que é acessível para todas e todos ao longo da vida. Queremos garantir que as políticas de sustentabilidade, de combate às alterações climáticas e de mudança do paradigma da mobilidade estão no centro das políticas europeias. Queremos avançar com um Plano de Investimento para a Europa, na proteção social e na melhoria das condições de vida dos europeus.

Como o Partido Socialista refere de forma clara no seu manifesto, é preciso mudar a Europa e fazer com que esta corresponda mais e melhor à legítima expetativa dos seus cidadãos. É preciso uma Europa mais atenta à pobreza e às desigualdades, e uma Europa capaz de avançar para novas políticas que melhorem a vida concreta dos seus cidadãos, das famílias e das empresas.

Desde a chegada de Orbán ao poder, o silêncio tem imperado na direita europeia. Em 2013, quando Rui Tavares apresentou o Relatório do Parlamento Europeu sobre a situação na Hungria – e que acabaria por ficar com o seu nome –, o Partido Popular Europeu (PPE) votou contra a adoção deste relatório. Só o agravamento da situação de ameaça democrática no país – que atingiu níveis insustentáveis – ou a aproximação das eleições europeias trouxeram a pronúncia, necessariamente negativa, do PPE relativamente à atuação do Partido de Orbán.

O Partido Socialista e os Socialistas Europeus batem-se, aberta e afincadamente, nestas eleições europeias por um projeto europeu inclusivo, de solidariedade, de proteção social e ambiental, de sustentabilidade e de respeito pela democracia. O que não pode caber nesta construção europeia é o projeto político de Orbán. Até quando se manterá o silêncio ensurdecedor da Juventude do Partido Popular Europeu e a conivência do Partido Popular Europeu, a que pertencem, respetivamente, a JSD e o PSD e o CDS-PP, sobre a manutenção do partido de Viktor Orbán no seio da sua família política? É esse o projeto político que querem para a Europa?

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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