Eis a tabela periódica mais antiga que se conhece

No ano em que se comemora a proposta de ordenação dos elementos químicos pelo russo Dmitri Mendeleev, a Universidade de St. Andrews (na Escócia) anuncia que encontrou a tabela periódica mais antiga que se conhece para ensino.

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A tabela periódica mais antiga que se conhece descoberta numa universidade na Escócia Universidade de St. Andrews

Em 2014, durante umas arrumações na Universidade de St. Andrews (na Escócia), encontrou-se uma tabela periódica já gasta pelo manuseio. Após algum tempo de investigação – e com a ajuda de um catálogo de produtos químicos de uma colecção do Museu Nacional de História Natural e da Ciência, em Lisboa –, percebeu-se que essa tabela periódica pode ser a mais antiga do mundo para ensino encontrada até agora, anunciou a instituição em comunicado. Impressa provavelmente em 1885, esta peça está actualmente guardada no departamento de Colecções Especiais da universidade.

Há pouco mais de quatro anos, não houve alternativa: para que se cumprissem os regulamentos de segurança contra incêndios, a sala de armazenamento por baixo de um dos maiores auditórios do departamento de química da Universidade de St. Andrews teve de ser limpa. Essa sala estava repleta de químicos e de equipamento de laboratório desde que o edifício do auditório tinha sido inaugurado em 1968. Entre esse equipamento, encontrou-se uma tela já muito gasta. Agora, a universidade anuncia que essa tela poderá ser a tabela periódica para o ensino mais antiga que se conhece.

O anúncio desta descoberta coincide precisamente com o 150.º aniversário da criação do Sistema Periódico dos Elementos Químicos pelo russo Dmitri Mendeleev. Em 1869, Dmitri Mendeleev publicou na revista da Sociedade Russa de Química – com um resumo republicado em alemão na Zeitschrift für Chemie – um estudo sobre a classificação sistemática de todos os elementos químicos conhecidos até à data. Se na altura eram 63, agora já são 118. A peça agora descoberta é muito semelhante à segunda versão da tabela de Mendeleev de 1871, segundo um comunicado da Universidade de St. Andrews.

Como é esta tabela? Foi anotada em alemão e tem duas inscrições que permitiram saber quando foi impressa. No lado esquerdo, tem a inscrição da gráfica Lenoir & Forster, que funcionou em Viena (Áustria) entre 1875 e 1888 e se dedicava a instrumentos de ensino. Tem ainda a inscrição do litógrafo Anton Hartinger (que morreu em 1890) e do seu filho.

Portanto, Eric Scerri, um especialista na história da tabela periódica da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos), datou esta peça entre 1879 e 1886. Além das inscrições, o cientista teve em conta que o gálio e o escândio descobertos em 1875 e 1879, respectivamente, já estavam presentes na tabela. Já o germânio, que foi descoberto em 1886, não consta no documento.

“Esta tabela periódica foi impressa em 1885, poucos anos depois da publicação do famoso artigo de Dmitri Mendeleev”, considera mesmo Pilar Gil, investigadora na Universidade de St. Andrews e assistente no departamento de Colecções Especiais da universidade. “Procurámos outras tabelas periódicas mais antigas e não encontrámos nenhuma publicada antes desta.”

Aliás, a tabela periódica mais antiga que se conhecia até então era uma que está na biblioteca da Universidade de Quioto (no Japão) “A tabela de Quioto foi feita cerca de oito anos mais tarde”, diz a investigadora, acrescentando que é semelhante à peça descoberta na Universidade de St. Andrews.

Pilar Gil foi ainda a responsável por perceber quem adquiriu esta tabela periódica para a instituição escocesa. A investigadora espanhola acabou por descobrir um registo de uma transacção financeira nos arquivos da universidade sobre a compra de uma tabela periódica impressa em 1885. Essa compra foi feita em 1888 por Thomas Purdie, professor de química na Universidade de St. Andrews, a um catálogo de produtos químicos da empresa alemã C. Gerhardt.

É nesta parte da história que entra Portugal. “Procurei por todo o lado por catálogos da Carl Gerhardt e encontrei uma referência a um deles numa tese [de mestrado] da Universidade de Lisboa”, conta ao PÚBLICO Pilar Gil. O catálogo mencionado na bibliografia dessa tese faz parte das colecções do Museu Nacional de História Natural e da Ciência. Como tal, a investigadora contactou o museu, que lhe enviou imagens do catálogo.

Confirmou-se assim que a tabela foi impressa em Viena em 1885 e comprada por Thomas Purdie em 1888. “Ele comprou-a de um catálogo da C. Gerhardt (que ainda está activa em Bona, na Alemanha), pelo preço de três marcos de ouro [o que equivale a 19,69 euros actualmente]”, refere Pilar Gil, que apresentou esta peça histórica no Parlamento Europeu esta terça-feira. 

Comemorar a química

Entretanto, a tabela periódica foi restaurada e encontra-se no departamento de Colecções Especiais, onde está guardada em condições de temperatura controlada. “Estamos muito satisfeitos por saber que a tabela periódica mais antiga que se conhece veio para a Universidade de St. Andrews para ser usada no ensino”, salienta Gabriel Sewell, responsável pelas Colecções Especiais.

“A descoberta da tabela periódica para ensino mais antiga do mundo é notável”, diz David O'Hagan, ex-responsável pelo departamento de química da Universidade de St. Andrews. O também professor na instituição escocesa adianta que será utilizada em futuras investigações e que vai estar presente nos eventos planeados para comemorar o Ano Internacional da Tabela Periódica dos Elementos Químicos.

Como se comemoram 150 anos da proposta de ordenação dos elementos químicos por Dmitri Mendeleev, as Nações Unidas proclamaram 2019 como o Ano Internacional da Tabela Periódica dos Elementos Químicos. “A celebração decretada pelas Nações Unidas é uma oportunidade para mostrar a centralidade da química e o seu papel na resolução dos grandes problemas da humanidade, numa óptica de desenvolvimento sustentável, nas áreas do ambiente, energia, alimentação ou saúde”, escreve Adelino Galvão, secretário-geral da Sociedade Portuguesa de Química, no site oficial das comemorações.

Entre os eventos marcados, há a formação de tabelas periódicas humanas em várias cidades portuguesas na próxima terça-feira. Já foi lançada esta terça-feira no Parlamento Europeu uma tabela periódica da Sociedade Europeia de Química, que descreve a escassez de elementos naturais. E há ainda o concurso Tabela Periódica: para além dos 150 anos. Todos podem participar e os trabalhos podem ser feitos em qualquer tipo de expressão artística. Os prémios serão entregues em Julho no Encontro Nacional da Sociedade Portuguesa de Química, no Porto. Entre Setembro e Dezembro far-se-á uma exposição. Afinal, como disse Peter Atkins (professor de Química da Universidade de Oxford) numa entrevista ao PÚBLICO: “A tabela periódica representa a capacidade de organização da ciência.” 

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