É mulher? É estúpida ou “impura”

Nas críticas dirigidas a Theresa May, há imensa misoginia atravessada.

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Jeremy Corbyn diz que não disse. Mas muita gente – incluindo deputados trabalhistas – viram-no dizer. Esta quarta-feira, em mais um debate alucinado na Câmara dos Comuns por causa do “Brexit”, Corbyn terá chamado a Theresa May “mulher estúpida”. As gravações dão a entender que o aparte do líder trabalhista foi mesmo este, embora Corbyn tenha negado as acusações até ao limite: terá dito “gente estúpida” e não “mulher estúpida”.

John Bercow, o speaker dos Comuns – o equivalente britânico ao presidente da Assembleia da República –, foi investigar. Depois de analisar a gravação, afirmou compreender o facto de muitos deputados terem entendido que se tinha referido a May como “mulher estúpida” (é o que se depreende), mas que, uma vez que Corbyn tinha negado, devia acreditar-se num membro do Parlamento. Andrea Leadsom, a líder parlamentar dos conservadores, lembrou a Bercow que, em Maio passado, tinha sido o speaker a chamar-lhe “estúpida” e não tinha pedido desculpa. Bercow, que nunca negou ter insultado a líder parlamentar tory, não quis demorar-se muito mais com o assunto. 

Este quadro desonroso passa-se nas ilhas britânicas onde as mulheres – a começar pela rainha – ocupam cargos institucionais há muito tempo. Depois de alguns anos como líder dos tories, Margaret Thatcher chegou a primeira-ministra em 1979, cargo que ocupou até 1990. Mas até o cognome “dama de ferro” é um pressuposto machista: para liderar num mundo de homens, exige-se a excepcionalidade do “ferro” ou do “aço” ou de qualquer outro material pesado. 

Theresa May não é nenhuma dama de ferro e está a gerir o maior choque para as ilhas desde o fim do império, o “Brexit”. Nas críticas que lhe são dirigidas, há imensa misoginia atravessada. Afinal, é a mesma que é dirigida a qualquer mulher em lugar de poder – e essa misoginia está tanto na esquerda de Corbyn, como na direita de Bercow. Se uma mulher não for “estúpida”, é “velha”, se não for “velha”, é “histérica”, se não for “histérica”, é “impura” (para usar um eufemismo), se não for “impura”, tem “falta de homem”. Ainda que o mundo ocidental tenha mudado bastante, presumir que as mulheres já são suficientemente livres para actuar na esfera pública é de um optimismo irreal.

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