Presidente angolano não vai à sede da CPLP na visita a Portugal

João Lourenço não vai visitar a sede da CPLP quando fizer a primeira visita de Estado a Portugal. Se fosse outro país, "ninguém notava". Como é Angola, não faltam interpretações.

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Presidente angolano visita Portugal de 22 a 24 de Novembro LUSA/JOSÉ SENA GOULÃO

Na primeira visita de Estado a Portugal como Presidente de Angola, na próxima semana, João Lourenço não vai visitar a sede da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), em Lisboa.

A visita foi proposta pela secretária executiva da CPLP, a são-tomense Maria do Carmo Silveira, e um grupo avançado angolano chegou a ir ao Palácio Conde Penafiel, no centro histórico da cidade, ver o salão dourado onde se fazem as reuniões formais e o lugar das declarações públicas. Mas no fim, confirmou o PÚBLICO junto da CPLP e dos governos português e angolano, a hipótese da visita à CPLP foi excluída.

“Esta é uma visita de Estado do Presidente da República angolano ao Estado português e a CPLP é uma organização multilateral”, disse uma fonte do ministério das Relações Externas de Angola. “Quando faz uma visita de Estado aos EUA, o Presidente vai a Washington. Não vai a Nova Iorque visitar a sede da ONU. Tem que se separar as coisas.”

Augusto Santos Silva, ministro dos Negócios Estrangeiros português, também não faz leituras políticas: “O Presidente João Lourenço vem a Portugal fazer uma visita bilateral. A CPLP é uma organização internacional que, por acaso, tem sede em Lisboa. No passado, alguns chefes de Estado da CPLP aproveitaram visitas a Portugal para irem à sede da CPLP. Outros não. É uma decisão soberana de cada Estado”, disse ao PÚBLICO.

A decisão de Luanda foi no entanto interpretada por alguns diplomatas e deputados da Assembleia da República como um sinal de desprezo pelo órgão que defende os interesses da lusofonia, em particular depois de, na sua primeira visita à Europa, em Junho, Lourenço ter visitado Londres, Bruxelas e Paris — mas não Lisboa — e ter anunciado que ia pedir adesão à Commonwealth e à Organização Internacional da Francofonia. Resume um deputado: “Cada um vai àquilo em que aposta.” É sublinhado também o facto de João Lourenço ter acabado com o posto de embaixador de Angola para a CPLP, tendo entregue a tarefa ao embaixador bilateral em Lisboa.

Nem todos os chefes de Estado vão à CPLP, mas há alguma tradição. No ano passado, os Presidentes de Cabo Verde e de São Tomé e Príncipe foram à sede, no início deste ano, foi Michel Temer, quando era vice-Presidente do Brasil, em 2015 foi o Presidente Filipe Nyusi, de Moçambique — e todos se lembram de quando José Eduardo dos Santos fez uma visita oficial a Portugal, em 2009, ter ido à sede da CPLP logo no primeiro dia.

“O acto simbólico de uma visita é a reafirmação do compromisso político com a CPLP”, disse ao PÚBLICO Maria do Carmo Silveira, que em Dezembro termina o mandato de dois anos à frente do órgão. “Mas a impossibilidade de fazer a visita não é um descomprometimento com a nossa organização internacional: quando um Presidente vem oficialmente a Portugal, todos compreendemos a existência de fortes laços bilaterais que se reflectem em agendas muito preenchidas para poucos dias de visita.”

Seis diplomatas contactados pelo PÚBLICO, todos profundos conhecedores de Angola e dos dossiers bilaterais, sublinham que, se fosse outro país, “ninguém notava”. Como é Angola, “há mil interpretações”. Os mais pragmáticos sublinham que o importante é o que Angola “faz com e pela CPLP”. “O que vale é que este Verão Angola assumiu ficar com a presidência da CPLP em 2020-22, não é se vai ou não à sede”, disse um diplomata. “Pode-se argumentar que é grave simbolicamente, que fragiliza a CPLP, mas se pensarmos no que ali de facto o Presidente Lourenço faria, percebe-se a decisão”, diz outro diplomata. “Iria conversar dez ou 15 minutos com embaixadores de países da CPLP. Quantas vezes é que ele falou com os seus próprios embaixadores?”.

A visita é de 22 a 24 e o primeiro dia é em Lisboa e o segundo dia no Porto. Na capital, João Lourenço encontra-se com Marcelo Rebelo de Sousa no Palácio de Belém — que à noite lhe oferece um banquete oficial no Palácio da Ajuda —, visita o Instituto Nacional de Investigação Agrícola e Veterinária e faz um discurso na Assembleia da República. Diplomatas e deputados destacam a “distinção rara”, reservada aos “amigos” e aliados mais próximos. A última vez que um chefe de Estado discursou numa sessão solene no Parlamento português foi em 2016 (rei de Espanha, Filipe VI), antes disso fora em 2010 (Armando Guebuza, de Moçambique) e antes em 2004 (Joaquim Chissano, também de Moçambique). Segundo a lista enviada à agência Lusa pelo protocolo do Parlamento, a excepção foi aberta apenas 11 vezes nos últimos 24 anos. No Porto, Lourenço participa num seminário económico e tem o encontro oficial com António Costa. Para o último dia está prevista uma visita à Base Naval e ao Arsenal do Alfeite.

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