"Na democracia só há um Norte, a Constituição", afirma Bolsonaro

Presidente eleito chegou esta terça-feira a Brasília para dar início ao processo de transição. Equipa não tem mulheres, mas tem políticos a responder por suspeitas de crimes na justiça.

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Bolsonaro pediu a Deus que ilumine o seu Governo Adriano Machado/REUTERS

No primeiro acto oficial em que participou como Presidente eleito, Jair Bolsonaro, reafirmou a promessa de que irá governar em respeito da Constituição. Na véspera, foi revelado o elenco que compõe a equipa de transição e entre os 27 nomes, todos de homens, há três que estão a suscitar polémica.

Bolsonaro usou os conhecimentos que adquiriu na sua carreira militar para dizer que na topografia há três Nortes: o geográfico, o magnético e o do mapa. "Mas na democracia só há um Norte, o da Constituição", afirmou durante um curto discurso no Congresso, na cerimónia que assinalou o 30.º aniversário do texto constitucional.

O tom da intervenção do Presidente eleito seguiu a linha do seu discurso logo na noite das eleições, em que também prometeu respeitar a Constituição e unir o país. Das bancadas do Congresso, Bolsonaro ouviu apelos para fazer o gesto com as mãos em que aponta uma arma – uma imagem de marca da campanha. Fê-lo de forma discreta e, logo de seguida, juntou as mãos para fazer um coração.

A Procuradora-Geral, Raquel Dodge, deu a resposta mais acutilante: "Não basta reverenciara Constituição. É preciso cumpri-la", declarou. Fez ainda finca-pé na defesa das minorias, do ambiente e da liberdade de imprensa. Até poucos minutos antes do plenário, os media não tiveram acesso ao plenário.

Bolsonaro chegou a Brasília para dar início aos trabalhos de transição, um dia depois de ter revelado a composição da equipa que irá coordenar os trabalhos nos próximos meses. Não há nenhuma mulher entre os 27 membros da equipa que até à tomada de posse, a 1 de Janeiro, irá preparar o terreno para o novo Governo brasileiro, que se perspectiva como o mais à direita desde a redemocratização.

Espera-se que durante os próximos dias, Bolsonaro continue a revelar a composição do executivo, mas mantém-se a grande dúvida acerca da intenção de anexar a pasta do Ambiente ao Ministério da Agricultura – uma decisão que a oposição tem criticado por abrir a porta a um controlo da indústria agro-alimentar das regulações ambientais.

Bolsonaro tem avançado e recuado em relação a esta ideia, mas nenhuma decisão foi ainda tomada. O desenho dos grupos de trabalho que vão orientar a equipa de transição junta a “produção sustentável, agricultura e meio ambiente”, diz o El País Brasil, sugerindo que o futuro ministério poderá agrupar as pastas.

Nomeações polémicas

O Presidente eleito nomeou para a equipa de transição um dos proprietários da AM4, a principal prestadora de serviços de Internet à campanha de Bolsonaro e que terá estado envolvida no esquema de disparos automáticos de mensagens através do WhatsApp. De acordo com a investigação da Folha de São Paulo divulgada no mês passado, a AM4 impulsionou o envio de milhares de mensagens contra o Partido dos Trabalhadores (PT), possivelmente com conteúdos falsos, para utilizadores daquela rede social.

O Tribunal Superior Eleitoral abriu um inquérito para averiguar as acusações, que, se provadas, podem configurar uma violação da lei eleitoral e, eventualmente, a anulação da candidatura.

O dono da AM4, Marcos Aurélio Carvalho, que integra agora a equipa de transição, negou a prática e disse na altura em que foi publicada a investigação que “quem faz a campanha [de apoio a Bolsonaro] são os milhares de apoiantes voluntários espalhados em todo o Brasil”.

Outro membro da equipa é o deputado do Partido Social Liberal Julian Lemos que foi acusado de violência doméstica pela ex-mulher e de agressões e injúrias pela irmã, e chegou a ser condenado em primeira instância por apresentação de documentos falsos. Apesar de condenado a um ano de prisão, o caso prescreveu antes de ser analisado pelo tribunal de recurso, de acordo com o site Congresso em Foco.

Os dois processos em que Lemos foi acusado de violência doméstica acabaram por ser arquivados depois de a ex-mulher ter retirado as queixas. O processo movido pela irmã, que diz ter sido agredida e injuriada enquanto tentava apaziguar uma discussão entre Lemos e a ex-mulher, continua activo.

Entre os membros da equipa de transição está ainda Paulo Uebel, secretário municipal da Câmara de São Paulo, que está a ser investigado pelo Ministério Público por suspeita de improbidade administrativa (conduta que viola princípios da Administração Pública).

"Índio é ser humano como nós"

Antes de viajar para Brasília, Bolsonaro deu uma entrevista à TV Bandeirantes em que disse “desconfiar” da proposta de reforma da Previdência (o sistema de pensões) defendido pelo futuro ministro das Finanças e da Economia, Paulo Guedes.

Bolsonaro defendeu mudanças no actual sistema, mas “sem colocar em risco nem levar pânico à sociedade” e mantendo as modalidades em vigor para alguns sectores, como os militares e as forças de segurança.

O Presidente eleito voltou ainda a afastar a hipótese de continuar a demarcação de terras indígenas, algo que repetiu durante a campanha, apesar de ser uma disposição prevista pela Constituição. Bolsonaro diz que as reservas actuais são “superdimensionadas” e que são suficientes para as necessidades das comunidades indígenas. "Índio é um ser humano como nós. Ele quer empreender, quer luz eléctrica, quer médico, quer dentista, quer um carro, quer viajar de avião", afirmou.

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