Clima e energia

Podemos negociar com governos, sindicatos, troikas, mas não podemos negociar com a natureza.

O debate sobre as alterações climáticas, o papel da energia e as políticas para mudar a situação deve ser feito com base na racionalidade, no conhecimento científico, na análise técnica e económica das diferentes fontes de energia e numa visão politica integrada que faça funcionar o todo no caminho desejável. O debate não deve ser feito com base na emoção, no simplismo, nas notícias falsas, na ignorância dos factos e dos números, na demonização de fontes de energia e no moralismo barato que desagua na demagogia extremista e no populismo. Neste contexto há alguns pontos que são cruciais.

O primeiro é o reconhecimento claro que existem alterações climáticas e elas podem afetar a sociedade, a economia e a geopolítica. O conhecimento científico acumulado é incontornável. Um dos maiores estudos já feitos, coordenado por Richard Muller da Universidade de Berkeley, que usou mais de 1,6 biliões de dados de 36.000 estações meteorológicas, mostra com clareza que a temperatura da Terra está a aumentar em todos os continentes. E o local em que mais tem aumentado é o Pólo Norte, onde subiu 1,6ºC nos últimos 100 anos. O Pólo Norte perdeu nos últimos 30 anos mais de dois milhões de km2 de gelo e atenção que o gelo é um estabilizador do clima da Terra porque reflete grande parte da luz solar. Desta forma estamos confrontados com um problema global de grandes dimensões que deve ser resolvido com inteligência e vontade política e não com histeria e slogans fáceis. Podemos negociar com governos, sindicatos, troikas, mas não podemos negociar com a natureza.

O segundo ponto tem a ver com as causas. Uma que é dominante é o modelo energético, muito dependente dos combustíveis fósseis que representam ainda hoje mais de 80% da matriz energética mundial. Eles são responsáveis por 57% das emissões de gases com efeito de estufa; os restantes 43% têm a ver com o mau uso da terra, a desflorestação e outras indústrias poluentes como as cimenteiras, as siderurgias, as indústrias químicas. Neste contexto é errado isolar e demonizar a energia, em particular o petróleo, e esquecer o carvão (que é muito mais poluente) e as outras causas. Mas, além disso, é preciso compreender que é todo o nosso modo de vida e o modelo económico dominante que está em causa. Aquilo a que Will Steffen chamou a “Grande Aceleração” levou desde a segunda metade do século XX a um crescimento rápido da população, altas taxas de urbanização, consumo exponencial de recursos e turismo de massas. Tudo isso deve ser analisado em conjugação com outras variáveis que também perturbam o clima: a difusão global de isótopos radioativos na atmosfera com as bombas e experiências nucleares; a perturbação do ciclo do nitrogénio com a expansão dos fertilizantes; a difusão global de contaminantes e metais pesados com a aceleração da produção industrial; a disseminação maciça de novos materiais fabricados pelo homem como plásticos e cimentos. O jornalista americano H. Mencken disse um dia que para todos os problemas complexos do nosso tempo há uma solução rápida, eficaz, simples e errada. Soluções erradas resolvem pouco.

O terceiro ponto tem a ver com a contribuição que a energia pode dar para resolver o problema. As soluções existem e elas passam a curto prazo por mudar o mix energético e responder às metas da Conferência de Paris, a COP 21, que definiu o objetivo de conter o aumento da temperatura do planeta entre 1,5ºC e 2ºC. Fazendo as contas: é preciso reduzir o consumo de carvão em 40% até 2040; reduzir o consumo de petróleo em 15%; aumentar o consumo de gás em 15% e o de energias renováveis em 40%. A solução que temos mais à mão, independentemente de outras que venham a surgir, é apostar na combinação entre o gás e as energias renováveis. Estas são as duas fontes cujo share na matriz energética mais tem crescido e são uma excelente solução porque o gás é o mais limpo dos combustíveis fósseis. Nos EUA, a revolução do “shale gas”, que está a mudar o paradigma energético, converteu o país no maior produtor mundial de gás. O que acontece é que com as enormes reservas de gás descobertas, os americanos começaram a substituir as centrais a carvão por gás e as emissões de CO2 são 60% inferiores. O resultado é extraordinário: em 2015 os EUA consumiram 13% menos carvão e as suas emissões caíram 2,5%. A China está a seguir o mesmo caminho: em 2015 consumiu 5% mais gás e menos 1,5% de carvão. Como se trata de dois dos principais poluidores mundiais, o impacto no planeta foi grande. Depois de as emissões terem crescido a um ritmo de 1,6% ao ano nos últimos 30 anos e todos os analistas dizerem que era impossível parar esse crescimento até 2040, eis que em 2015 as emissões estagnaram a nível global e em 2016 confirmou-se essa estagnação. Em 2017 as emissões voltaram a subir ligeiramente porque a Índia, outro grande poluidor, continua a consumir mais carvão, embora as autoridades já tenham indicado que vão começar a aumentar o gás na matriz energética. A boa notícia é que dos cinco maiores emissores de CO2, responsáveis por 60% das emissões globais, a China, EUA, Rússia e Japão estão a baixar as emissões. Se a Índia adotar o mesmo caminho será um grande passo em frente. Sejamos claros: como em tudo na política mundial, se as grandes potências se empenharem o problema será resolvido. Quatro destes países – China, Índia, EUA e Japão – são responsáveis por 75% do carvão consumido cada ano no mundo e o carvão é o mais poluente dos combustíveis fósseis, é o elefante na sala de que ninguém fala.

O ponto aqui é claro: a diminuição do consumo de carvão reduz as emissões globais mas isso não é suficiente. Precisamos e muito de aumentar a contribuição das energias renováveis porque, apesar de todos os esforços, o sistema mundial de geração elétrica e térmica continua com uma intensidade carbónica alta gerando em média 400 quilos de carbono por megawatt-hora e há que reduzir para 100 para assegurar a estabilidade climática. As energias renováveis têm crescido de forma impressionante. Os custos da energia solar diminuíram 75% nos últimos seis anos e o sol pode ser uma das grandes fontes de energia deste século porque em cada dia que passa recebemos do sol 8000 vezes mais energia do que toda aquela que o planeta consome. Com a criatividade humana novos desenvolvimentos estão a caminho em conjunto com a energia eólica, cujos custos já são hoje competitivos. Mas a questão é que não podemos estar só dependentes das energias renováveis porque elas são intermitentes e se falham põem em causa a estabilidade do sistema elétrico e da economia. Não podemos ter uma sociedade tecnológica avançada, com necessidades em energia que vão crescer 35% até 2040, sem fontes fiáveis e permanentes. Isso pode mudar quando se descobrir um sistema para armazenar a eletricidade à escala da rede. Hoje ainda não existe mas vai ser a invenção do século.

Finalmente as soluções existem para assegurar uma transição energética que responda aos desígnios da Conferência de Paris, assegure a estabilidade económica, a criação de riqueza, o bem-estar das populações e as necessidades energéticas futuras. Pacala e Socolow conceberam a teoria das “wedges” ou fatias. Partiram do cenário de emissões globais e calcularam como elas podem ser reduzidas por fatias, correspondendo cada fatia à adoção de uma medida ou tecnologia. O planeta emitiu em 2017 cerca de 33.400 milhões de toneladas de CO2 e para estabilizar o clima e conter o aumento de temperatura, temos de reduzir para 18.000. Como fazer? Com vontade política, políticas publicas consistentes e estímulos para mudar a matriz energética no sentido desejável. O essencial é adotar um imposto do carbono único e universal, em combinação com um mecanismo de direitos de emissão negociáveis. Para isto é preciso coragem política. Em seguida é monitorizar o progresso das reduções em cada uma das fatias que são: substituir o carvão pelo gás nas centrais elétricas; incrementar a share das energias renováveis na geração elétrica e térmica; eletrificar a frota automóvel nas cidades (ainda não há soluções elétricas para aviões, navios e camiões de longo curso, onde o petróleo continua a ser indispensável); introduzir o paradigma de consumo inteligente com redes elétricas inteligentes; atuar ao nível da iluminação, que representa 20% do uso da energia, substituindo as lâmpadas incandescentes convencionais por LED; dar consistência às políticas de eficiência energética; fazer funcionar de facto a economia circular. O futuro prepara-se e vai fazer-se com todas estas soluções que existem (e outras a caminho) para termos uma transição energética inteligente e estruturada. O futuro não se faz com medidas avulsas, demagógicas e simplistas. Boas intenções com más ideias são a receita para o desastre.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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