Portugal é vice-campeão europeu no concurso de satélites do tamanho de latinhas

A ilha açoriana de Santa Maria recebeu a final europeia da competição CanSat (lata + satélite), que juntou 97 alunos e 23 professores. A equipa portuguesa recebeu a medalha de prata e a da Irlanda a de ouro.

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A equipa portuguesa Nuno Gomes/FRCT
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Antes do lançamento da equipa portuguesa Nuno Gomes/FRCT
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Japão foi o país convidado Nuno Gomes/FRCT

Guilherme Ferreira já tem experiência a lançar microssatélites na ilha de Santa Maria. É a terceira vez que lança um satélite do tamanho de uma lata de refrigerante na ilha açoriana, o terceiro ano que participa no concurso CanSat e o primeiro na final europeia. “Estou mais calmo do que pensava”, confessa o aluno do Colégio Guadalupe (Seixal) antes do seu último lançamento. Afinal, está no 12.º ano e não participará de novo. Juntamente com a sua equipa – a GSat –, está pronto para o lançamento de um foguetão que subirá a quase mil metros e levará a latinha.   

De repente, há uma rajada de vento e uma das antenas cai ao chão. A equipa entra em modo de emergência e reconstrui a antena. Entretanto, começa a contagem decrescente. “Estão prontos? 4,3,2,1”, anuncia-se ao megafone. Eis que se ouve uma explosão e o rasto do foguetão desenha-se no céu. Esperam ver a latinha a descer, mas nada acontece. “Já foi”, diz alguém desiludido. O desespero alastra-se pela equipa: “Caiu no mar, que façam os peixes uso dos dados. Não vamos conseguir.”

Esta é só a sensação à flor na pele, porque numa missão espacial tem de se analisar tudo ao pormenor. Assim foi. Ao mesmo tempo desta latinha, foi lançada a da Roménia, que ficou separada do pára-quedas. “Quando estávamos a ver o pára-quedas, vimos que vinham mais ou menos à mesma velocidade. Mas o nosso tinha mais peso, não podia ir à mesma velocidade do outro”, pensa Lara Alves, também da equipa portuguesa, que teve ainda a participação de Diogo Silva, Duarte Brito e Guilherme Lourinho. Algo aconteceu. Por isso, viram as últimas coordenadas que receberam da antena automática, vão até ao local e, afinal, lá está a lata com o cartão de memória com os dados.

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Lara Alves com a antena automática, que foi crucial no desempenho final da equipa Nuno Gomes/FRCT

“Provámos a importância da antena automática [que aponta sozinha para a lata]”, frisa Lara Alves. “Enquanto uma equipa com a antena normal perderia tudo e nem conseguiria as coordenadas, a nossa mostrou-nos onde estava a lata.” O professor Dário Zabumba concorda: “Conseguimos provar praticamente a 100% que o nosso trabalho é eficaz.”

Agora a GSat ficou em segundo lugar entre as 18 equipas europeias em competição em Santa Maria, entre e quarta-feira e domingo. “Sentimo-nos realizados”, reage Lara Alves, que segura o troféu em forma de refrigerante, explicando que a sua missão secundária era sobre a procura vida fora da Terra. “O espaço é tão grande que tem de haver vida algures, mesmo que seja diferente da nossa.”

A equipa irlandesa, que também se focava em procurar vida noutros planetas, recebeu o primeiro prémio. A equipa espanhola foi a terceira classificada e a Hungria recebeu a menção honrosa.

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A equipa da Irlanda, que ficou em primeiro lugar Nuno Gomes/FRCT

Organizado pela Agência Espacial Europeia (ESA), o CanSat começou em 2010. Nesta competição para alunos do secundário têm de ser cumpridas duas missões: a primária, onde se mede a temperatura do ar e a pressão atmosférica; e uma secundária, que pode ser uma demonstração de tecnologia ou inspirada em missões reais. Se no início era a ESA que escolhia muitas equipas que concorriam (este ano só elegeu uma), depois passaram a realizar-se competições nacionais.

Pela primeira vez, a final europeia – co-organizada pelo Governo regional dos Açores em parceria com a Escola de Novas Tecnologias dos Açores (ENTA) – teve um país convidado: o Japão. Nos Açores, juntaram-se 97 alunos, 23 professores e houve um investimento de 100 mil euros (80 mil da ESA e 20 mil do Governo regional açoriano). 

Cidadãos melhores

“Este projecto permite aos alunos participarem numa actividade multidisciplinar”, diz Monica Talevi, responsável da ESA pela educação da ciência, tecnologia, engenharia e matemática. “A multidisciplinaridade permite que os alunos fiquem mais próximos da realidade. Não envolve só competências técnicas, mas também outras como o trabalho de equipa e a comunicação.” E frisa ainda: “Desenvolvem um pensamento crítico. Mesmo que não sigam uma carreira científica, este projecto ajuda-os a serem cidadãos melhores. Se estão mais conscientes da ciência que se faz, preocupam-se mais com a sociedade e o ambiente.”

O ambiente foi a preocupação da Noruega. “Os microplásticos estão em todo o mundo e podem afectar a nossa saúde e dos animais”, diz docemente a aluna Karoline Kallset. “Queremos detectar os microplásticos no ar.” O projecto chama-se “Plástico Fantástico”, mas é pura ironia, confessa.

Os holandeses também querem contribuir para um mundo mais limpo. “Queremos calcular a poluição no ar”, conta Marnix Laar, que, tal como toda a equipa, veste uma camisola laranja. Aliás, o marketing da equipa CanX não foi deixado ao acaso, como os seus flyers e site. E Marnix Laar até confidencia que segue os lançamentos da empresa SpaceX.

A equipa polaca também é apaixonada por missões espaciais e fala-nos orgulhosa do PW-Sat1, um satélite da Polónia em órbita da Terra. “Para este trabalho, queríamos algo que fosse desafiante. Então criámos um pequeno rover”, indica Przemystaw Polek, enquanto nos mostra uma fotografia desse veículo. Quando a latinha cair, abre-se uma rampa e o rover sairá (quase) como o robô Curiosity.

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A equipa na Polónia na altura do lançamento Nuno Gomes/FRCT

“A qualidade dos projectos tem aumentado a cada ano”, refere Manuel Paiva, professor jubilado da Universidade Livre de Bruxelas que fez parte do júri. “Este projecto está a ter uma enorme projecção mundial e espero que os portugueses se apercebam do papel de pioneiros que estão a ter.”

Este ano, Duarte Cota fez parte da organização. O professor da ENTA começou a participar em 2016, ganhou a final europeia em 2017 e em 2018 voltou a vencer a nível nacional. “Achámos que era altura de fazer uma pausa”, conta, dizendo que os alunos que participaram estão todos a trabalhar na área das tecnologias. É a olhar para as equipas a trabalhar que confessa: “Não há nada como estar ali.”

Guilherme Ferreira ainda não sabe que curso superior vai escolher, mas tem a certeza: “Ainda estou a ponderar, mas o CanSat endireitou-me ainda mais nessa direcção [física e robótica].” E resume assim as suas participações: “Tudo foi especial.

 

O PÚBLICO viajou a convite do Governo Regional dos Açores

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