Sampaio Nunes: rendas pagas à EDP “são ilegais”

Na sessão inaugural da comissão de inquérito às rendas da energia o antigo secretário de Estado Pedro Sampaio Nunes voltou a dizer que considera os contratos CMEC da EDP “ilegais”. E diz que Bruxelas é “conivente”.

Foto
O antigo secretário de Estado da Ciência e Inovação, Pedro Sampaio Nunes, está esta quarta-feira a ser ouvido na Assembleia da República Nuno Ferreira Santos

O antigo secretário de Estado da Ciência de Santana Lopes, Pedro Sampaio Nunes, está esta quarta-feira a ser ouvido na Assembleia da República, na primeira audição da Comissão de Inquérito ao Pagamento de Rendas Excessivas aos Produtores de Electricidade (CIPREPE). Sampaio Nunes, que foi um dos autores da queixa enviada em 2012 à Comissão Europeia sobre alegados auxílios de Estado indevidos à EDP com a introdução dos contratos CMEC (Custos para a Compensação do Equilíbrio Contratual), e em particular com o prolongamento do prazo de exploração de 27 barragens da EDP, sem concurso público, por 759 milhões de euros, reiterou no Parlamento que os apoios que começaram a ser pagos à EDP em 2007 “são ilegais”.

A Comissão Europeia decidiu no Verão passado que o alargamento das concessões das barragens não representou um auxílio de Estado à EDP (embora esteja a avaliar a ausência de concurso público no processo), no entanto Sampaio Nunes voltou a apontar o dedo aos CMEC como sendo uma das principais razões que justificam que Portugal tenho dos preços mais elevados da electricidade na Europa e mesmo a nível mundial e considerou que se trata de “um esbulho aos consumidores” e de algo que “é contra o interesse dos contribuintes” em favor de um grande grupo económico.

A razão para os elevados preços da electricidade que as famílias e as empresas portuguesas pagam “é a mistura explosiva das rendas ilegalmente dadas a nível dos CMEC, e a título duvidoso dos Contratos de Aquisição de Energia [da Turbogás e da Tejo Energia], com um apoio massificado às energias renováveis”, afirmou Sampaio Nunes.

Quanto aos apoios às renováveis (as tarifas bonificadas de que beneficiam a maioria dos produtores), Sampaio Nunes disse: “não podemos considerar que são ilegais”. Mas afirmou que os subsídios a esta indústria foram “uma atitude voluntariosa e demasiado prematura”.

Sampaio Nunes também sublinhou que a comissão de inquérito tem autoridade para enviar este caso para o Tribunal de Justiça da União Europeia, já que fazer queixas à Comissão Europeia “é inglório”. “Eles são complacentes e coniventes”, disse Sampaio Nunes, que foi director da Comissão para a energia durante alguns anos.

O antigo governante considerou “chocante” e “anormal” que o valor pago pelos consumidores de electricidade com os CMEC – e em particular as famílias e PME – esteja próximo do actual valor da dívida tarifária, que está nos 3600 milhões de euros. “Isto é anormal e merece uma análise jurídica cuidadosa, daí a queixa a Bruxelas” em 2012, acrescentou Sampaio Nunes.

Um “mau momento” ou uma “boa relação”

O ex-secretário de Estado de Santana Lopes afirmou ainda que a aprovação dos CMEC foi “um mau momento [da Comissão] ou uma vontade de satisfazer a boa relação entre o ministro [com a pasta da energia] da altura [Álvaro Barreto] e a comissária da Concorrência” de então, Neelie Kroes, adiantou.

É a “única explicação” para a aprovação destes instrumentos, disse Sampaio Nunes, dizendo que “a grande complacência” de Bruxelas em relação aos CMEC fica evidente na leitura das respostas da Comissão à notificação dos auxílios pelo Estado português, mas também na resposta à queixa que lhe foi enviada. São respostas “pouco fundamentadas e pouco justificadas” quanto ao facto de “não serem exigentes nas questões de concorrência”, criticou o ex-funcionário da Comissão, considerando que “tem de haver uma clarificação do Tribunal Europeu.”

Reconheceu também que na reunião de secretários de Estado em que o decreto-lei dos CMEC foi apresentado pela primeira vez, pelo então secretário de Estado com o pelouro da energia, Manuel Lancastre, se opôs “veementemente” ao diploma porque violava a legislação europeia em matéria de concorrência, no entanto, não fez nenhum veto formal e nem sabe se a sua oposição ficou registada em acta. “Era o meu primeiro conselho e não me ia armar em esperto”, justificou.

Mas sobre posição de Lancastre, explicou que a preocupação do seu colega de Governo tinha a ver com a imagem que os investidores teriam de Portugal. Como em 2005 não havia “dinheiro nenhum”, Sampaio Nunes diz que “pesou” a necessidade de valorizar a EDP para uma futura privatização. 

Disse depois também que fez parte de um grupo de personalidades que avisou Pedro Passos Coelho sobre os riscos de privatizar a empresa com este tipo de contratos que considerava juridicamente nulos, mas que a resposta do ex-governante foi “a de que havia urgência no sucesso da privatização”.

Consumidores prejudicados

Foi no Governo de Pedro Santana Lopes do qual fez parte Sampaio Nunes (que segundo revelou a presidente da comissão de inquérito, Maria das Mercês Borges, tomou a iniciativa de escrever ao Parlamento dizendo-se disponível para ser ouvido pelos deputados) que foi publicada, em Dezembro de 2004, a legislação que criou os CMEC.

Estes contratos que vieram substituir (no caso da EDP) os anteriores Contratos de Aquisição de Energia (CAE, que continuaram válidos para a Turbogás e a Tejo Energia) só entraram em vigor em 2007, já no primeiro Governo de José Sócrates, com Manuel Pinho como ministro da Economia. Os CMEC estão no centro de uma investigação do Ministério Público por suspeitas de corrupção em que já foram constituídos diversos arguidos, entre eles o presidente da EDP, António Mexia. Pinho também chegou a ser constituído arguido pelos investigadores Carlos Casimiro e Hugo Neto, mas deixou de sê-lo em Maio, por decisão do Juiz de Instrução Criminal Ivo Rosa.

Lembrando que pelo seu trabalho na comissão europeia foi “autor de grande parte da legislação” relacionada com a abertura do mercado da energia à concorrência, e considerando “muito triste” que no seu próprio país os consumidores tenham sido “prejudicados”, Sampaio Nunes disse não ter dúvidas de que Bruxelas “tem responsabilidades em ter permitido ajudas de Estado que vieram penalizar os consumidores”.

EDP deveria devolver 3100 milhões

Considerando que os CMEC foram dados à EDP “para engordar o porco” e privatizar a empresa às fatias, Sampaio Nunes sublinhou que a eléctrica deveria ter sido privatizada “pelos activos magníficos que tinha”, os que foram pagos pelos consumidores e aqueles em que investiu sem quaisquer instrumentos de compensação. “Tudo o mais, eu entendo que é ilegal do ponto de vista do direito comunitário e deve ser questionado” junto do Tribunal Europeu para se aferir se é ilegal, pois é a “única entidade com independência total” para se pronunciar sobre o tema. Mas, no seu entendimento, estes contratos de compensação “são nulos, não devidos e devem ser devolvidos”, frisou.

O ex-governante notou que a EDP não tinha de ser compensada pela extinção dos CAE porque já tinha os activos todos amortizados e não teria prejuízos que precisassem de ser ressarcidos. Defendendo que a empresa deveria ser obrigada a devolver os cerca de 3100 milhões de euros que já recebeu, o especialista admitiu que isso geraria litigância por parte dos investidores a quem o Estado “vendeu gato por lebre”.

Reconheceu que eventuais indemnizações a investidores que participaram na privatização da EDP pudessem recair sobre os contribuintes, mas admitiu ainda uma outra via: a de obrigar a Comissão Europeia “a prestar contas” por ter induzido o Estado português em erro.

Disse ainda que em Portugal se criou “uma situação aberrante” em que foram criados instrumentos para compensar a produção convencional ao mesmo tempo que se passaram a dar apoios às energias renováveis (as tarifas bonificadas) quando as tecnologias ainda não estavam maduras. São essencialmente estes factores que explicam grande parte do défice tarifário (que já esteve nos cinco mil milhões de euros) que continua a retirar recursos às famílias e às empresas e lesa “a competitividade do país”, acusou.

Só isso explica, acrescentou Sampaio Nunes, que os portugueses tenham das facturas eléctricas mais caras da Europa “num contexto de descida das matérias-primas [petróleo e gás] e de descida dos custos das tecnologias”.

A audição de Sampaio Nunes é a primeira de várias que foram aprovadas pelos partidos nesta comissão parlamentar, embora várias das personalidades possam vir a responder por escrito. Entre as audições que já estão agendadas para as próximas semanas destaca-se a de Manuel Pinho, que está prevista para 17 de Julho.

Antes das férias parlamentares os deputados deverão ainda ouvir outros especialistas em energia, como João Peças Lopes e Clemente Pedro Nunes, bem como os anteriores e a actual presidente da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE), Jorge Vasconcelos, Vítor Santos e Cristina Portugal, respectivamente.

Sugerir correcção
Ler 1 comentários