A má relação com a Matemática está a afastar os jovens de cursos importantes para o país

Número de colocados em cursos de engenharia desce sempre que a média da disciplina é inferior. Diplomados em engenharia informática, área considerada estratégica pelo Governo, não chegam para as necessidades.

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SERGIO AZENHA / PUBLICO

Depois de quatro anos consecutivos com médias negativas no exame nacional do ensino secundário de Matemática, no ano passado a nota da disciplina subiu para 11,5 valores. Positiva, finalmente. Mas as dificuldades dos estudantes portugueses com os números persistem — um terço ainda acaba o ensino básico com negativa à disciplina. Estará esta má relação a afastar os jovens de cursos importantes para o desenvolvimento do país? Os dados do concurso nacional de acesso ao longo da última década sugerem que sim e responsáveis das universidades e das empresas apontam no mesmo sentido.

O exame de Matemática A, que os alunos do 12.º fizeram nesta segunda-feira, é crucial no acesso às universidades e politécnicos. Há 273 cursos superiores (de cerca de 1100 no ensino público, ou seja cerca de um quarto do total) para os quais Matemática A é prova de ingresso, seja sozinha ou acompanhada, normalmente por Física e Química, como acontece na generalidade das engenharias.

Analisando os dados das colocações no ensino superior e as médias de Matemática nos exames nacionais do ensino secundário, percebe-se uma relação clara entre um e outro indicador. Nos últimos seis anos, o número de entradas nas engenharias aumentou sempre que a média do exame de Matemática na prova do 12.º ano subiu; em sentido contrário, o total de alunos colocados também desceu sempre que as notas naquela disciplina foram mais baixas do que no ano anterior.

Na última década, o ano em que menos estudantes foram colocados nas engenharias foi o de 2014 (17.650 novos alunos), o mesmo que registou a média mais baixa (7,8 valores em 20) do exame nacional de Matemática — considerado então “injusto” pela Associação de Professores de Matemática, dada a sua complexidade.

Por exemplo, de 2011 para 2012, a média do exame de Matemática desceu (de 9,2 para 8,7 valores) e o número de colocados em engenharia (civil, mecânica, etc.) também. Foram menos 1068 alunos a entrar. Quando a média da disciplina aumentou, em 2015 (de 7,8 para 12 valores), as entradas nas engenharias acompanharam a tendência (mais 2779 estudantes).

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Ao contrário do que acontece nas restantes engenharias, nas áreas da informática não se observa uma relação evidente entre o número de alunos colocados e as notas nos exames nacionais de Matemática. O total de novos estudantes nas licenciaturas das Tecnologias da Informação e Comunicação aumentou nos últimos quatro anos, alinhada com a variação geral da procura do ensino superior. No entanto, o director do departamento de Engenharia Informática da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP), João Cardoso, não tem dúvidas de que os cursos desta área estão “a perder alunos com capacidades interessantes para a engenharia que não estão a conseguir entrar por causa das notas” na disciplina.

Decidir em função da nota

Aquele responsável admite que o mestrado integrado e Engenharia Informática da FEUP é um caso atípico, uma vez que tem uma média de acesso de 17,8 valores (e 117 vagas) — “Há uma quantidade muito grande de alunos que já nem sequer se candidatam porque sabem que não vão entrar”, defende. O principal impacto das notas a Matemática nas entradas nos cursos desta área sente-se sobretudo nos cursos com médias de entrada entre os 13 e os 14 valores, como os do ISCTE — Instituto Universidade de Lisboa e os dos politécnicos de Lisboa, Porto e Coimbra. Nestes casos, uma ligeira variação na nota da prova nacional de Matemática A pode ser o suficiente para afastar um jovem do curso desejado.

A investigadora da Universidade de Évora Isabel Vieira, especialista em acesso ao ensino superior, explica que é sobretudo entre os alunos com notas mais baixas que a influência dos exames nacionais é mais notória nas escolhas que fazem na altura de concorrerem ao ensino superior. “São estudantes que tomam decisões em função das notas finais”, explica ao PÚBLICO.

Para estudantes com melhores notas, um mau dia no exame tem, ainda assim, impacto na definição do seu futuro. Por exemplo, uma má nota na prova nacional de Matemática poderá levar um estudante que pretendia ir para Economia a optar por candidatar-se a Gestão, onde a disciplina não é prova específica. “Mas são sempre decisões tomadas entre cursos muito próximos”, acrescenta a mesma especialista.

Quando os alunos chegam ao 12.º ano, as portas de determinado curso “podem abrir-se mais ou menos” em função das notas que tenham no exame nacional de Matemática, concorda o director do curso de Engenharia Civil da Universidade do Minho, Rui Ramos.

Mas não é apenas no final do ensino secundário que as dificuldades dos alunos com a disciplina podem ser impeditivas de seguirem cursos de que o país precisa ou mais próximos dos seus gostos e aptidões. “As dificuldades vêm de trás”, prossegue o mesmo responsável, para quem os problemas no ensino nos três ciclos do ensino básico podem fazer com que os alunos desenvolvam “alguma relutância em ligar-se com a Matemática” quando chegam ao ensino secundário, condicionando os seus percursos.

Além dos gostos e aptidões dos estudantes, também o país sofre quando os jovens se afastam de áreas importantes para o seu desenvolvimento. Na Engenharia Civil, por exemplo, a quebra na procura dos cursos pode levar o país a ter de importar engenheiros dentro de muito pouco tempo, como vem alertando a Ordem dos Engenheiros.

Já entre os engenheiros informáticos, apesar de o país estar a formá-los “ao mesmo ritmo”, o problema está na falta de capacidade para “responder à procura muitíssimo grande” que está a sentir-se no sector neste momento — não só por via da anunciada instalação em Portugal de algumas das principais multinacionais do sector, como a Amazon ou a Google, bem como pela fase de crescimento que está a ser vivido pelas empresas nacionais. O diagnóstico é do presidente executivo da empresa Critical Software, Gonçalo Quadros, que considera a Matemática “a melhor ferramenta” para formar um engenheiro de software.

“Assim como no desporto temos de desenvolver determinados músculos do nosso corpo, em função da modalidade que praticamos, também nesta área é necessário desenvolver o músculo responsável pelo raciocínio lógico e a capacidade de resolver problemas complexos de forma estrutura, que é o cérebro. Isso pode ser treinado através da matemática”, ilustra Gonçalo Quadros.

A área da Informática e Tecnologias da Informação foi considerada estratégica pelo Governo, que, pelo segundo ano consecutivo, permitiu às universidades aumentar o número de vagas oferecidas nos cursos desta especialidade no próximo concurso nacional de acesso. No ano passado, a Informática foi uma das áreas responsáveis pelo aumento do número de vagas nas universidades e politécnicos. Ainda assim, no final da 1.ª fase sobraram 349 de 4159 lugares disponíveis em cursos de informática — 8,4% do total.

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