Alargamento do prazo foi insuficiente para a limpeza da floresta

Dos 189 municípios com territórios com alto risco de incêndios, 36 assumiram que não conseguiram limpar a floresta no prazo previsto pela lei.

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A GNR levantou 1024 autos de contraordenação por incumprimento da legislação. Paulo Pimenta

Um quinto dos 189 municípios com territórios com alto risco de incêndio admitiram ao PÚBLICO não conseguir cumprir o prazo estabelecido pelo Governo para a limpeza de terrenos, que termina nesta quinta-feira. Esta situação pode estender-se a outras autarquias, tendo em conta que 130 não responderam às questões lançadas pelo PÚBLICO, mas o Governo valoriza o esforço sem precendentes feito pelo conjunto da sociedade para tentar resolver o problema. A Guarda Nacional Republicana (GNR) pode começar a aplicar coimas a partir desta sexta-feira.

Segundo o Ministério da Administração Interna (MAI), foram desenvolvidas em todo o território nacional 9253 acções de sensibilização, nas quais estiveram presentes 128.312 pessoas. A GNR, através do SEPNA (Serviço de Protecção da Natureza e do Ambiente) e da sua Linha SOS Ambiente, colocou ao dispor da população um atendimento personalizado, que esclareceu cerca de cinco mil pessoas sobre como realizar a gestão de combustível. Mas, ainda assim, no período de 2 de Abril a 28 de Maio, a guarda levantou 1024 autos de contraordenação por incumprimento da legislação.

Ao PÚBLICO, 23 municípios asseguraram cumprir o prazo estipulado, intervindo nos terrenos de que são proprietários, nas faixas de gestão de combustível junto às estradas e vias públicas e nas faixas em redor dos parques industriais. Dos 59 que responderam ao questionário enviado por email, 36 assumiram não conseguir respeitar a data-limite. Relativamente aos terrenos privados, 34 autarquias garantiram ao PÚBLICO que irão substituir-se aos proprietários na limpeza, caso estes não a façam, já a partir do início do mês de Junho. Dezoito dos municípios dão conta que apenas as áreas de maior risco serão intervencionadas.

Até quarta-feira, Albergaria-a-Velha, Alfândega da Fé, Arronches, Condeixa-a-Nova, Ferreira do Zêzere, Mafra, Mealhada, Nazaré, Oleiros, Ponte da Barca, Sardoal, Tomar, Torre de Moncorvo e Valongo tinham já os trabalhos concluídos. Os municípios de Batalha, Caminha, Cinfães, Fafe, Paredes, Ribeira de Pena, Santo Tirso, Sesimbra e Torres Vedras esperavam terminar a limpeza até ao final do mês. O MAI garante que a fiscalização prossegue a partir de 1 de Junho. “A aplicação das coimas será efectuada, quer dos autos levantados até 31 de Maio e onde se verifica ainda o incumprimento, quer da fiscalização a partir de 1 de Junho”, explicou o gabinete de imprensa do ministro Eduardo Cabrita.

Os resultados recolhidos pelo PÚBLICO não surpreendem o presidente da Associação Nacional de Empresas Florestais, Agrícolas e do Ambiente (ANEFA), Pedro Serra Ramos. “O que aconteceu foi que muitos dos municípios acharam que através dos concursos não seria difícil encontrar empresas para realizar os trabalhos. O que se passou foi que aquilo que foi protocolado entre os municípios e o ICNF não se faz com o dinheiro que foi protocolado. Portanto, muitos desses concursos ficaram vazios, sem empresas a concorrer”, afirma.

Por um lado, o dinheiro não se mostrou suficiente para as intervenções necessárias, por outro as empresas encontraram no privado uma fonte de receita maior do que nesses concursos. “O Governo tinha de mostrar que mais alguma coisa havia de mudar face aos acontecimentos do ano passado e, portanto, a estratégia que encontrou foi fazer cumprir uma lei à qual não era dada grande importância. Esta estratégia resultou do ponto de vista da sensibilização”, comenta.

Se o Governo elogia o muito que foi feito, o dirigente associativo olha para “muito que, ainda assim, ficou por fazer”. E Pedro Serra Ramos acredita que a medida não vai acabar com os fogos. Pelo menos este ano. “Isto é só uma pequenina peça do puzzle do que é este problema”, aponta. Além disso, não acredita que seja possível dar continuidade ao processo, nem manter o nível de limpeza daqui para a frente.

Se no litoral a medida teve um impacto considerável, quer pela facilidade em encontrar empresas para executar a limpeza, quer pela maior disponibilidade de rendimento, não se pode afirmar o mesmo em relação ao interior do país, acrescenta. “Há uma questão de mentalidade das pessoas que já estavam habituadas a fazer um determinado tipo de manutenção nessas áreas à volta de suas casas que não está de acordo com aquilo que é exigido pela lei.”

Nas respostas enviadas ao PÚBLICO, a carência de recursos humanos e operacionais, a dificuldade em encontrar empresas especializadas, o aumento do custo de intervenção por hectare e o curto período de tempo destinado à realização dos trabalhos foram algumas das razões apontadas pelas autarquias para o não cumprimento do prazo.

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A carência de recursos humanos e operacionais é uma das razões apontadas para o atraso na limpeza. Paulo Pimenta

Os municípios repisam ainda argumentos conhecidos como o abandono das propriedades rurais, o desinteresse dos herdeiros pelos terrenos e a inexistência de cadastro e decorrente incapacidade de identificar os proprietários como causas para o atraso na limpeza.

Além disso, dependendo do terreno e condições meteorológicas, é necessário, muitas vezes, efectuar a gestão de combustível entre duas a três vezes por ano. As chuvas ao longo dos meses de Março e Abril fizeram, por isso, com que terrenos limpos até ao final do prazo estabelecido na lei — 15 de Março — tivessem de voltar a ser alvo de intervenção. E em muitas situações, o custo destas operações sobrepõe-se ao valor da propriedade.

Para o presidente da ANEFA, a lei é demasiado rígida e o prazo apertado para atingir os objectivos propostos. Além disso, proíbe que as empresas entrem nas florestas durante a fase vermelha e laranja, que se prolonga praticamente durante todo o Verão. Lamenta ainda o facto de a legislação estar em constante alteração, o que faz com que a população desconheça as suas obrigações. Para Pedro Serra Ramos, a gestão florestal profissional, que permite controlar a vegetação que está no subcoberto, deve ser o próximo passo. “Assim, o proprietário consegue tirar maior rendimento da sua propriedade e as operações que são feitas na floresta permitem que haja uma prevenção relativamente ao fogo.”

Inicialmente, os proprietários tinham até ao dia 15 de Março para garantir a realização de todos os trabalhos de gestão de combustível florestal, data que foi adiada após o Governo ter aprovado um decreto-lei para que não fossem aplicadas coimas até ao dia 31 de Maio. Em caso de incumprimento, os proprietários ficam sujeitos a multas, que podem variar entre 280 e 10 mil euros, no caso de pessoa singular, e entre 3 mil e 120 mil euros, no caso de pessoas colectivas.

Pedro Serra Ramos diz que a aplicação de coimas compromete o investimento no sector florestal, pelo que apela ao bom senso dos governantes. “Se nós queremos ter uma floresta diversificada, se nós queremos ter uma floresta bem cuidada, se nós queremos ter uma floresta gerida de forma profissional, precisamos de gente com capacidade de investimento e que queira investir nela.”

 

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