Um congresso difícil

Assumir agora a disponibilidade para se fechar na renovação dos entendimentos à esquerda fragilizaria o PS em campanha.

O ano de 2018 é um ano difícil para a realização de congressos partidários, pelo menos nos casos em que os líderes permanecem. Foi assim com o CDS e é assim com o PS. Com as legislativas previstas só em Outubro de 2019, é cedo para os partidos abrirem o jogo sobre programas eleitorais. No caso dos socialistas, a dificuldade em realizar o congresso ordinário a que os estatutos do partido obrigam de dois em dois anos é ampliada pelo facto de o secretário-geral do PS, António Costa, ser também primeiro-ministro. Ora, se Costa ainda não cumpriu o presente mandato governativo e até ao fim da legislatura quererá ainda surpreender o país, é evidente que não pode lançar agora ideias sobre o que deseja realizar, se voltar a ser primeiro-ministro.

Neste tempo de espera, Costa procurou resolver a quadratura do círculo. Anunciou uma convenção partidária em Janeiro, para tratar das eleições ao Parlamento Europeu, e outra em Junho, em que as legislativas são o tema e em que surgirá o programa eleitoral. Para cumprir o calendário congressual, Costa encontrou como saída apresentar uma moção de estratégia global virada para o futuro de que é primeira responsável Mariana Vieira da Silva, feita com a participação de Ana Catarina Mendonça Mendes e do gabinete de estudos do PS, chefiado por João Tiago Silveira.

O documento é suficientemente genérico e abrangente, permitindo projectar preocupações e estratégias futuras, mas, precisamente pelo seu carácter, não concretiza propostas de governação. Essa solução tem pelo menos o mérito de procurar começar a debater no PS questões como as alterações climáticas e a nova sociedade digital, regressando a temas já abordados pelos socialistas há décadas: a demografia (desde António Guterres) e o combate às desigualdades (desde a sua fundação).

Com a habilidade que o caracteriza, Costa omite na moção a estratégia de alianças políticas, caso venha a ganhar com maioria relativa as eleições em 2019. Isto, ao contrário do que fez em todos os documentos sobre estratégia, desde que se candidatou às primárias de 28 de Setembro de 2014 contra António José Seguro e o apeou da liderança do PS, em que defendeu sempre uma política de alianças que prometia trazer os partidos à sua esquerda para a governação. Por agora essa intenção permanece apenas nas suas declarações públicas.

Esclareçamos que não tinha de o fazer. Os acordos formais com o BE, PCP e PEV não são uma coligação de governo, nem mesmo uma coligação parlamentar  — são entendimento de aliança parlamentar sobre alguns aspectos concretos da acção governativa. É normal que Costa queira ganhar tempo. Para mais quando é cristalino que o assumir agora da disponibilidade para se fechar na renovação dos entendimentos à esquerda não só fragilizaria o PS em campanha, colocando-o directamente na continuação da dependência do PCP e do BE, como também poderia afastar o eleitorado do centro, que se sentiria tentado a votar no PSD do moderado Rui Rio. Mais: se ganhar as legislativas, Costa será primeiro-ministro com legitimidade eleitoral, ao contrário de em 2015, quando as perdeu. Essa legitimidade muda tudo na correlação de forças do PS com os outros partidos.

Por outro lado, Costa sabe que está acossado em duas frentes e que assim permanecerá até ao fim da legislatura. Uma é a do combate aos incêndios, que terá este Verão a sua prova de fogo e que tem como principal agente de pressão sobre o primeiro-ministro o próprio Presidente da República. A segunda é a da corrupção, outro assunto que Costa omite na moção, mas que não pode ignorar na realidade do dia-a-dia e que muito provavelmente irromperá no congresso, por mais cordões sanitários com que a direcção socialista queira evitar o tema. Pode até ninguém citar nomes, mas há “fantasmas políticos” que estarão a pairar no congresso — um deles é o do ex-líder e agora ex-militante José Sócrates  —, assim como no ar da Batalha pairarão também os casos de suspeita sobre a conduta ética de governantes, dos quais o mais recente é o de Pedro Siza Vieira.

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