“É cedo para dizer se há condições para um acordo alargado”

Mariana Vieira da Silva, 40 anos. É braço direito de António Costa no Governo e no partido. No executivo, ocupa a pasta de secretária de Estado adjunta do primeiro-ministro e no PS foi responsável pela coordenação da moção do líder.

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Nuno Ferreira Santos

A discussão sobre se o PS está mais à esquerda ou mais à direita não incomoda Mariana Vieira da Silva, secretária de Estado adjunta do primeiro-ministro que o PÚBLICO e a Renascença entrevistam esta quinta-feira (12h). A governante diz, aliás, que são debates “muito enriquecedores” que “têm permitido ao PS ir renovando o seu património ideológico”. Ainda assim, explica que os quatro temas escolhidos para a moção do líder do PS “traduzem uma opção clara de alinhamento à esquerda, sem alas”. E cita António Costa, para dizer que “um bloco central é empobrecedor para a democracia”.

Como é que se consegue que o assunto José Sócrates não contamine o congresso, de modo a que se possa dar atenção à moção e aos grandes temas que o primeiro-ministro definiu como prioritários?
Nós, nas últimas semanas, percorremos o país. Umas vezes estive em sessões com o primeiro-ministro, outras sozinha. E aquilo que posso dizer é que nas sessões que realizámos, de esclarecimento e debate, a preocupação de definir uma estratégia para o futuro foi um dos temas que os militantes quiseram discutir – e as reuniões até eram à porta fechada. 

Não sentiu os militantes preocupados com o tema José Sócrates?
Senti os militantes muito interessados em discutir os temas de futuro que nós trazemos, porque os militantes do PS compreendem que passaram dois anos e meio desde o início do Governo – temos um conjunto de sucessos, temos áreas que queremos trabalhar até ao fim da legislatura, mas acho que 2015 trouxe uma aprendizagem muito importante para o PS: a nossa capacidade de dizermos que prometemos e cumprimos resulta do trabalho que fizemos de definir muito claramente as políticas com que nos apresentámos às eleições de 2015. E portanto queremos agora iniciar esse caminho de definição da estratégia, primeiro, e depois das medidas de política, para podermos estar mais tarde a dizer que prometemos e cumprimos.

Trabalhou a moção de António Costa e com ele definiu os temas centrais da próxima legislatura: alterações climáticas, demografia, sociedade digital e desigualdades. Mas não há uma definição muito concerta das políticas. Definiria a estratégia como sendo mais da ala esquerda ou moderada do PS?
A moção representa um pensamento que acho que é largamente majoritário no PS, de uma escolha muito clara do ponto de vista ideológico. Estes quatro temas podem ser consensuais, mas aquilo que temos a dizer sobre cada um deles certamente não é. E uma moção de orientação global é uma moção de orientação global. Esta procurava definir quatro elementos que consideramos fundamentais e começar a trabalhar sobre eles. Alguns acompanhamo-los há muito tempo, outros são mais virados para o futuro. Mas os quatro traduzem uma opção clara de alinhamento à esquerda, sem alas. 

A moção é suficientemente vaga para que todos se reconheçam nela?
Não, em qualquer partido grande podemos procurar divergências – e certamente que as encontraremos, porque elas existem sempre. Mas, quando procuramos as grandes áreas de consenso, elas também existem e são muito claras no PS: uma proximidade grande ao ideal europeu, uma luta sem desistências no combate às desigualdades, o enfrentar com uma mente aberta as questões demográficas e estar na primeira linha da modernização do país. 

Não crê que Catarina Martins e Assunção Cristas concordariam com esses princípios?
Não são princípios, são quatro problemas que procuraremos enfrentar...

... talvez Catarina Martins não partilhe o europeu...
... com muito do que está escrito nesta moção certamente encontrará divergências, à nossa esquerda e à nossa direita. Tenho as maiores dúvidas de que o CDS se reveja na forma como entendemos que o desafio demográfico se vence, não respondendo unicamente às questões da natalidade, que existem, mas também como um país que atrai imigrantes e se preocupa com essa integração. Estou certa que o CDS não se revê nestas prioridades.

Por exemplo, relativamente à sociedade digital e às consequências na regulação laboral, pode ser um tema em que será mais difícil obter consenso à esquerda. É uma opção deliberada a moção não encontrar caminhos?
O capítulo da sociedade digital tem dois princípios em que a moção é completamente clara: o primeiro é que o Estado tem um papel a representar neste caminho da inovação, que não cabe unicamente à sociedade civil; e, por outro lado, o compromisso de encontrar sempre um equilíbrio entre uma legislação laboral justa, que proteja as pessoas, e a inovação – ou seja, não aceitar a ideia de que a sociedade digital nos trará obrigatoriamente um mercado em que cada um tem um conjunto de actividades a que não se chama bem “emprego”. Mas uma moção de orientação estratégica não é um programa de governo – e quando for um programa de governo decerto será criticado pelo seu excesso de detalhe. Esse é o trabalho que o PS inicia a partir da próxima segunda-feira.

Portanto, vamos voltar a ver um quadro macroeconómico, com impactos das medidas propostas pelo PS.
Voltaremos só a apresentar medidas quantificadas e que sabemos que poderemos tomar. O resto não me cabe a mim dizer. Só que traremos um programa que possa ser o centro do debate eleitoral e que responderemos também pelos impactos financeiros e económicos das medidas.

Avaliando pelos grandes temas, pelo que tem acontecido e pelo fim deste programa de devolução de rendimentos, haverá espaço para novo entendimento com PCP e BE?
Primeiro, a parte em que não concordo com a pergunta, que é dizer que está terminado o programa de recuperação de rendimentos: Portugal tem um problema de divergência salarial, não só face à UE, mas a nível interno, tem problemas fortíssimos de desigualdade que terão sempre como resposta, em parte, a questão dos rendimentos. Mas, para não fugir à questão, o sucesso deste Governo resulta da clareza com que os partidos negociaram as posições conjuntas, aquilo em que estavam de acordo e aquilo em que estavam em desacordo – e o detalhe com que o fizeram. Portanto, é cedo para dizer se há condições para um acordo alargado. O que me parece é que a identificação dos quatro temas e os objectivos permitem um diálogo à esquerda sobre estes temas.

Só à esquerda?
O secretário-geral do PS tem sido muito claro sobre a rejeição de um caminho de bloco central – o que não significa que não possa haver determinados assuntos, tanto por força das circunstâncias como por serem estratégicos, que possam beneficiar de um acordo mais alargado. Desde 2015 que dissemos que relativamente aos fundos e grandes investimentos o país beneficiaria muito com acordos muito alargados. Agora, este acordo à esquerda depende de quatro partidos. Não tem um prazo de validade. 

Não é como os iogurtes, como diz Francisco Assis?
Não, não, porque, se fosse para seguir o que disse Francisco Assis, estava condenado à partida, porque não tinha sequer prazo de validade inicial. O que aprendemos nestes dois anos e meio é que depende da capacidade de quatro partidos convergirem num conjunto de coisas, aceitarem as suas divergências, continuarem a bater-se pelas suas ideias.

Não depende só do PS.
Não, um acordo entre quatro partidos nunca dependerá só do PS. 

No DN, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, classifica este acordo à esquerda como “conjuntural”. Na moção ao congresso, o secretário de Estado Pedro Nuno Santos avisa que é à esquerda que o PS tem de continuar o caminho. Onde é que a Mariana está neste debate interno?
Primeiro: não são contraditórios. Continuar o caminho à esquerda é seguir uma linha de orientação estratégica que acho que esta moção assume. Estes debates são muito enriquecedores, não são novos. E têm permitido ao PS ir renovando o seu património ideológico...

Há condições para o BE e PCP darem o mesmo apoio ao PS, em 2019?
O balanço que os diferentes partidos fazem é positivo. E o dos seus eleitores também. É evidente que têm uma dimensão conjuntural, porque o que aconteceu depois da crise dos últimos anos tornou mais fácil que nos entendêssemos sobre aquilo que era a prioridade primeira dos quatro programas, que era virar a página da austeridade e recuperar a economia. Rejeitar certas divisões, que agora de vez em quando voltam, entre contas públicas equilibradas e um caminho de progresso nos serviços públicos. Portanto, esse entendimento de que era possível tornou o acordo mais simples – [mas] não é simples. Trabalhar numa renovação desse acordo, que como temos reafirmado é um objectivo (em equipa que ganha não se mexe); cabe agora a cada um encontrar os elementos que considera prioritários. É o caminho de elaboração das nossas propostas que vai ditar a vontade de cada de construir um caminho em conjunto, ou não.

Todos os dias temos tido notícias de falhas no Serviço Nacional de Saúde. Como é que o Governo tenciona resolver estes problemas, que estão a causar tensão com os parceiros à esquerda? E como é que o Governo vai gerir a situação de ter o BE a propor uma nova lei de bases que é uma herança de António Arnaut, enquanto tem um grupo a trabalhar noutro projecto de lei de bases?
A melhoria da qualidade dos serviços públicos foi uma prioridade. Ela teve um primeiro momento de recuperação do número de profissionais. Claro que as pessoas que estão a sair têm um determinado nível de especialização que os que estão a entrar não têm, claro que esse é um caminho que se faz – por muito que custe e às vezes custa – com tempo. Ninguém pode dizer que esse caminho não está a ser feito e que os nossos parceiros não o dizem. O que dizem é que queriam que fosse um pouco mais rápido. Estamos a falar de muitos anos de problemas – e em todo o mundo. Como explicava António Arnaut, os problemas de sustentabilidade dos sistemas de saúde são problemas que todos os países têm, por causa do envelhecimento, por causa dos custos enormes das tecnologias e da terapêutica, e o que precisamos é de encontrar um caminho para fazer, de procurar que o SNS continue a responder a toda a gente, com os melhores cuidados que existem. Agora, esse é objectivo desde o início do SNS. E não foi uma criação fácil. Foi um caminho feito de grandes divergências, principalmente entre a esquerda e a direita. Portanto, nem sequer é uma área em que tenha havido um grande consenso entre PS e PSD, como muitas vezes se repete.

E que se diz que pode haver na nova lei de bases.
O que importa é que sejamos capazes, como fez António Arnaut, de responder aos desafios de cobertura universal e de qualidade dos serviços, tendo em conta os inúmeros conflitos que sempre existem entre as partes interessadas. É um sistema de grandes tensões, desde a primeira hora. As soluções não são simples. Não creio que a ideia de que com mais profissionais tudo se resolve, ou com mais investimento em equipamento tudo se resolve. Todas essas frases que acabam em “tudo se resolve” tendem a não se provar verdadeiras. Por isso, acho que o debate tem de ser o mais alargado possível. E produzir o consenso que for possível.

Julga possível um consenso no SNS esta legislatura?
O trabalho que está a ser desenvolvido é pouco compatível com a ideia de que ainda nesta legislatura se pode conseguir um acordo. Mas devo dizer-lhe que nunca houve um acordo entre o PSD e o PS na área da Saúde, ao longo da história, e não creio que essa inexistência tenha sido conjuntural. Há uma divergência estrutural desde a primeira hora. E não estou convencida de que tenha passado a haver um consenso entre PS e PSD na área da Saúde.

Como é que viu os dois acordos assinados com o PSD? Como um caminho de futuro? 
Desde o início deste Governo que foram definidas várias áreas em que era nosso objectivo ter um acordo o mais alargado possível. Os fundos estruturais, porque são de médio prazo, beneficiam de uma estabilidade de estrutura. Também a descentralização, tendo em conta que o PS e PSD são os partidos com mais autarquias. É bom que tenhamos conseguido desbloquear um acordo que há muito procurávamos na Assembleia da República. Vejo com a naturalidade de quem acredita que os compromissos se constroem com quem quer, em cada tema.

Como é que devemos ler o facto de António Costa não ter definido uma estratégia de alianças para 2019?
Esta moção defende como principal objectivo do PS para as próximas eleições reforçar o seu peso, porque acreditamos que é da força do PS que depende a nossa capacidade de responder a estes quatro desafios. Depois, o secretário-geral do PS tem afirmado muitas vezes que será depois dos votos que procurará responder – negando à partida uma dimensão que considera empobrecedora da democracia em circunstâncias normais e valorizando a solução que temos vivido nestes dois anos e meio. Não considero que tenha sido um tema por tratar. 

Portanto, até às legislativas não é intenção do PS definir que aliança vai propor? A quem vai bater primeiro à porta?
Esta moção define o caminho do PS para os próximos anos, não define ainda o seu programa.

Assim, parece que o caminho que o PS define para si próprio é o de ficar sozinho.
Porque o caminho que definimos é o de ir sozinhos às eleições. Vamos bater-nos pela defesa das nossas ideias. 

Nesse cenário, os portugueses vão votar no PS, imagine, sem saber se o PS procurará um entendimento à sua esquerda ou com o PSD, mesmo que informal.
Os portugueses vão votar sabendo as políticas que o PS defende. Acreditando que elas, tal como foram prometidas, podem ser cumpridas. E que essa capacidade depende também da força que o PS tiver – conhecendo a posição do secretário-geral do PS, que é a de que um bloco central é empobrecedor para a democracia e que esta solução de governo provou bem.

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