Hélder Amaral nunca quis ser “o negro do Parlamento”

O único luso-africano da Assembleia da República diz que “há um desconforto enorme em discutir” discriminação racial

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Hélder Amaral intervém, pelo CDS LM MIGUEL MANSO
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Eduardo Cabrita com Hélder Amaral LUSA/NUNO FOX

Quando Hélder Amaral foi eleito pela primeira, nas listas do CDS-PP, houve uma deputada já experiente, de outro partido, que lhe recomendou logo: “Nunca permitas que te ponham na posição do negro do Parlamento. Se fizeres isso, ficas acantonado”. Queria ser um político activo, independentemente das suas origens étnico-raciais. Não queria ser “a” voz dos luso-africanos.

Já lá vão 16 anos. António Guterres demitira-se do cargo de primeiro-ministro. A Assembleia da República fora dissolvida. Os partidos de centro-direita tinham ganho as eleições. Durão Barroso e Paulo Portas estavam a formar Governo.

Naquela altura, por causa da cor de pele, havia quem tomasse Hélder Amaral por motorista ou guarda-costas. A ideia de ter um luso-africano no hemiciclo não lhes ocorria. E poucos davam pela origem africana de Celeste Correia, de pele clara e olhos azuis.

Um período de excepção em 1995

Celeste Correia nasceu em Cabo-Verde em 1948. Entrou na Assembleia da República em 1995, pela mão de António Costa. Na mesma ocasião, pela mesma via, entrou Fernando Ká, nascido na Guiné-Bissau em 1952. E, por iniciativa do PCP, Manuel Correia, nascido em Cabo-Verde, em 1952. Todos menos de um mês ao abrigo de um programa especial de integração de líderes associativos das maiores comunidades de estrangeiros residentes em Portugal  pensado para enriquecer o debate que então se travava sobre o regime de entrada, permanência, saída e expulsão de estrangeiros no território nacional e processos de regularização extraordinária de quem estava em situação irregular.

Só Celeste Correia foi, depois, eleita por Lisboa nas listas do PS. Nascera no seio de uma família burguesa do Mindelo, estudara Filologia Românica na Faculdade de Letras de Lisboa, fizera carreira como professora de Português no ensino secundário e fora aí que te interessara pelas dificuldades dos seus compatriotas.

“Fui deputada 18 anos”, sublinha. Desse período destaca a aprovação do regime de apoio às associações de imigrantes, a criação do Alto Comissariado para o Diálogo Intercultural, actual Alto Comissariado para as Migrações, a lei Contra a Discriminação Racial, a reforma da Lei da Nacionalidade. Estava lá quando Hélder Amaral, nascido em 1967 em Angola, foi eleito pelo círculo de Viseu.

Do interior e na da periferia de Lisboa

Hélder Amaral não se ocupa dos temas relacionados com imigração. “Até me acusam disso”, diz. “Nos primeiros mandatos, fiz reuniões com associações de comunidades africanas. Sentia que se identificavam mais comigo e até pensavam que eu percebia melhor muitas das questões que levantavam, mas eu moro no interior, não moro na Grande Lisboa, onde os problemas são mais evidentes.”

Amaral fez carreira na terra (é presidente da Comissão Política Distrital de Viseu e vereador na Câmara Municipal de Viseu), sente mais os problemas do interior e dedica-se a outra pasta (preside à Comissão de Economia, Inovação e Obras Públicas). Mas não é que não faça qualquer trabalho relacionado com as suas origens  - é representante do CDS-PP no Grupo Parlamentar de Amizade Portugal-Angola e no Fórum dos Parlamentos de Língua Portuguesa. 

Constata a ausência de diversidade étnico-racial. Parece-lhe evidente que isso não impede o debate público. “Como costumo dizer: não é preciso ser galinha para saber que um ovo está podre. Mas os partidos seriam mais ricos e o Parlamento seria mais rico se tivessem dentro de si esses equilíbrios.”

Arrisca dizer que, se houvesse mais negros no Parlamento, questões como o racismo teriam outro peso. “Normalmente, falo pouco sobre essas matérias. Se eu for a falar, sendo único, a probabilidade de acharem que estou a ter um acto de racismo é grande”, afiança. “Há um desconforto enorme em discutir essas matérias. Só a espaços tenho comentado.”

“Se eu fosse do Bloco de Esquerda, era uma vedeta.”

O tema não está ausente da vida parlamentar. Ainda no dia 21 de Março, um grupo de deputados do PS apresentou um projecto de resolução a recomendar que aquele se transforme no Dia Nacional para a Eliminação da Discriminação Racial. E Hélder Amaral ouviu a deputada Isabel Moreira lamentar a falta de representatividade no Parlamento. “Eu disse: Eu estou aqui. Ou sou branco? E ri-me.”

Não é uma experiência nova. “Quando há discussões, normalmente toda a gente ignora que há um luso-africano no Parlamento. A própria comunicação social ignora”, assegura. Para alguns, o simples acto de assumir que está ali uma pessoa que tem um tom de pele diferente é uma atitude racista. Seria diferente se não pertencesse a um partido conservador de direita? “Se eu fosse do Bloco de Esquerda, era uma vedeta.”

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