És um leitor “cool”?

E assim ficamos: eu com o meu livro digital; aquela figura com o seu livro já velho e bastante usado a seu lado, como se fosse uma companhia humana

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Max Rossi/Reuters

Estava eu com o meu "tablet", armado em tecnológico, quando vejo alguém a olhar, com uns olhos esbugalhados, para o dito aparelho, como se eu fosse um extra terrestre e estivesse a fazer algo que jamais ninguém tinha conseguido até então. Era um senhor com idade avançada que ficou siderado com o facto de eu estar a ler um livro daquele modo.


Prontamente, meti conversa, expliquei-lhe sucintamente o que estava a fazer, as possibilidades do equipamento, o menor gasto de papel, poupar árvores, entre outras razões que considerei mais do que suficientes, mas do outro lado não obtive qualquer resposta; confesso, ainda que por breves momentos, que pensei que tal figura teria alguma parafernália, ou que estaria em modo de brincadeira.


Eis que me olha fixamente e diz a seguinte frase:”sabe, isso não tem cheiro, não dá para folhear, não o vejo a sentir o livro: eu gosto de livros!” — disse. Fiquei apreensivo, e tentei argumentar com mais variáveis, sem ter reparado no livro que jazia a seu lado, mas o tal senhor apenas ia sorrindo e: “vocês jovens querem tudo para ontem, tudo demasiado imediato, desprovido de um prazer a uma velocidade lenta e mais saborosa” — tive dee acenar em concordância. E assim ficamos: eu com o meu livro digital; aquela figura com o seu livro já velho e bastante usado a seu lado, como se fosse uma companhia humana.


De certo modo todas aquelas frases fizeram com que sentisse uma “inveja” daquela forma de estar, da forma de ver as coisas, o tão famoso “slow motion”; o degustar das coisas em “lume brando”.


Posto isto, e sem extrapolar muito sobre o tema: até que ponto ler livros digitais é “cool”, e diferenciador? Será esta forma o futuro? Vamos deixar de ter livros físicos? Será uma questão geracional?


Após reflectir sobre o assunto, e embora seja um “utilizador” de ambos os mundos — o digital, e o físico — confesso que aquela conversa ecoou-me no pensamento e fez-me pensar quem estaria certo: quem?


Outro dia, diferente daquele, meti conversa com um grupo de jovens sobre o tema — que ficaram a olhar de lado, como que a perguntar quem era, e que “raio” quereria eu —, e pude registar diversas opiniões: uns não têm “pachorra” para ler; outros gostam mais do digital; outros ainda, gostam de livros físicos — dizem que é porque foram “habituados assim”.


O livro físico está morto?


Não, de todo que não; não prevejo que tal aconteça nos anos mais próximos e a julgar pela amostra, ainda que pequena, e tendo em conta duas gerações, completamente díspares, os hábitos de leitura — quando existem — são diversos e não obedecem a um padrão: afinal, o digital não vai vencer o físico pelo menos nos próximos tempos.


Confesso que suspirei de alívio, e cada vez que olho para a minha estante sorrio; um sorriso cúmplice entre mim e os livros — por estranho que possa parecer.


Será que a leitura pode ser “potenciada” pela tecnologia junto das novas gerações?


Sim, pode, mas não é condição sine qua non para que os nossos jovens leiam: o que me parece é que estão sujeitos a demasiados estímulos externos, de vários tipos — televisão, internet, consolas, Facebook, Twitter, entre outros — que os faz perder o foco, não conseguir a atenção devida para a leitura de um livro — seja de que tipo for —, o que é entristecedor; sim, é, para mim é um tiro no pé: ler um livro é como mergulhar num filme, numa história em que nós fazemos dela a interpretação que queremos, como queremos e no formato que melhor considerarmos conveniente.


Ser “cool” pode ser altamente subjectivo; claro que existem imensas vantagens em ler em formato digital, o facto de podermos ter grande parte dos nossos livros sempre connosco à distância de um clique, poder sublinhar, marcar, fazer comentários e/ou partilhar um parágrafo, no momento, com alguém que nos é próximo — o “cool” pode ser uma forma “trendy” de ler, e de se fazer notar que o fazemos (ler).


Na minha mente residem, ainda, as palavras do senhor de idade, o facto de querermos ter tudo no imediato e esquecermo-nos de todas as variáveis acessórias, que fazem do acto de ler “o” acto.


Deixo “no ar” uma pergunta: até que ponto estamos a querer no imediato, no agora, tudo o que só se consegue obter em modo “slow motion”, com calma?

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