“Rugas”: a BD em que Paco Roca tenta perceber a velhice dos pais

Emílio tem Alzheimer e vai para um lar. Lá conhece outros idosos, como ele. É um livro de BD (imperdível) sobre a solidão na velhice. A propósito da edição portuguesa e da estreia do filme, o P3 falou por e-mail com o autor, Paco Roca

A capa da edição portuguesa
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A capa da edição portuguesa
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Há livros de banda-desenhada sobre a "infância, adolescência ou maturidade", sobre super-heróis e não-heróis, mas muito poucos "têm a velhice como protagonista". Natural de Valência, Paco Roca, conceituado ilustrador e autor de "comics", queria compreender melhor os pais. Por isso, escreveu e desenhou "Rugas", "comic" publicado em 2007 pela francesa Delcourt, que agora é editado em Portugal pela Bertrand, com tradução de Joana Neves (vê aqui as primeiras páginas). Um livro que coleccionou prémios internacionais e que foi parar ao cinema — o filme de animação, lançado em 2011, também carregadinho de prémios, chega a 23 de Maio às salas nacionais.  

Como descreves o teu trabalho?

Gosto de contar histórias e a única forma em que sou capaz de o fazer é através do desenho. No entanto, fazer um "comic" é um trabalho longo. Dedico vários anos da minha vida a cada projecto. Por isso, procuro histórias que me interessam, que creio que vão fazer a diferença e me vão enriquecer.

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Nascido em Valência em 1969, Paco Roca é ilustrador, guionista, desenhador e autor de comics e novelas gráficas

Como surgiu o livro "Rugas"?

Os meus pais são idosos, passam dos 80 anos, e queria saber o que sentem nestes momentos; se se sentem sozinhos, o que pensam de uma sociedade que marginaliza as pessoas mais velhas. Decidi fazer esta história para tentar compreendê-los.

Não é comum ver um livro de BD falar sobre a terceira idade, Alzheimer e lares...

Há uma infinidade de histórias que falam da infância, adolescência ou maturidade, mas muito poucas têm a velhice como protagonista. E não é só na BD, acontece o mesmo na literatura e no cinema. É uma etapa importante da vida das pessoas, mas não queremos saber nada dela até que nos afecta de algum modo. Há que dizer que há tantas velhices diferentes como pessoas, seria impossível generalizar sobre o que é a velhice. Então, o que fiz foi centrar-me na velhice nos lares de idosos porque lá, mais do que em qualquer outro lugar, é onde sobressai o tema de que queria falar: a solidão.

Filmes recentes como "Savages" e "Amour" também focam o mesmo. Hoje é mais importante falar sobre a velhice?

Começa a desaparecer o tabu acerca da velhice. O envelhecimento da população começa a ser um tema de interesse social, sobretudo na Europa e em países como o Japão. Assim, é lógico que comecem a surgir histórias que reflictam esta preocupação.

O livro é muito genuíno. Como te documentaste? E porquê esta preocupação?

Não queria cair em "clichés" sobre a velhice, por isso, durante meio ano, visitei diversos lares de idosos. Neles pude recolher muitas histórias falando com médicos, enfermeiros, idosos, familiares.... De todas essas histórias é que surge quase tudo o que é contado em "Rugas". As personagens do "comic" são pessoas que conheci nestes lugares e o protagonista, Emilio, é o pai de um grande amigo que tinha Alzheimer.

O filme estreia-se em Portugal a 23 de Maio. Como é ver o livro no grande ecrã?

Eu sempre achei que o "comic" "Rugas" pertence a todas as pessoas que me contaram as suas histórias. Isto é ainda mais evidente com o filme — o director, os animadores, os actores, o compositor contribuíram com os seus pontos de vista e fizeram a história crescer. Tenho a sensação que "Rugas" já é uma entidade com vida própria que segue o seu caminho independentemente de mim.

O que estás a fazer actualmente?

Os últimos anos têm sido muito intensos em viagens e eventos, cada um mais estranho que outro. Por isso, tenho atrasado um pouco os meus projectos. Para o final do ano espero acabar o meu próximo "comic" chamado "Los surcos del azar". Ao mesmo tempo, estamos a tentar arrancar com outro filme de animação baseado em outro dos meus "comics", "Memorias de un hombre en pijama".

No teu website escreveste: "Considero-me um desses privilegiados que conseguiram viver do seu sonho infantil." É possível viver da ilustração e dos "comics"? Que conselhos dás aos jovens?

É difícil viver da cultura em geral, e ainda mais para fazer algo tão incomum como "comics". Só consegues se realmente é o que mais te apaixona e és capaz de esforçar-te ao máximo para consegui-lo. Mas também temos de ter em conta que o negócio editorial é isso mesmo, um negócio; para entrar é preciso conhecê-lo, saber como funciona, que ramo editorial é o mais próximo daquilo que queremos fazer. E, sobretudo, ler muitos "comics".

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