O ritmo da morte

Morrer, todas as personagens sabem que o farão. A dúvida é: depressa ou devagar? Peça "Devagar" de “As Boas Raparigas” ensaia a resposta

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Morrer sim, mas devagar, murmurava o D. Sebastião da lenda quando se dirigia para o coração da refrega de Alcácer Quibir. Morrer devagar, dizem também as personagens da peça "Devagar" de “As Boas Raparigas”, escrita por Howard Barker e encenada por Rogério de Carvalho.

Um soldado amputado que se revolta contra um eremita silencioso no alto da sua coluna no meio do deserto, quatro princesas que contemplam o futuro enquanto um exército inimigo assalta as muralhas da sua cidade. Morrer, todas as personagens sabem que o farão. A dúvida é: depressa ou devagar? E será mais nobre ceder às piores humilhações para retardar a morte ou procurá-la depressa e ficar puro perante a corrupção do mundo?

Do nosso mundo fala-se da velocidade, da vertigem, do mundo que encolheu e se tornou plano. Mas é também o mundo em que a morte se tornou mais distante, onde se escondem as suas pegadas, onde se morre o mais tarde possível, o mais longe possível - no hospital, no lar, em todo o lado que não nos lembre que existe um ritmo para a morte.

Mas morrer tarde não é de hoje. Sebastião era um rapaz loiro de 24 anos quando morreu. Toda a sua vida ansiara por uma morte gloriosa. Agora, diante dela, tentava afastá-la com o fio da sua espada. Em poucas horas amadurecera o que não amadurecera em anos: desabituara-se da morte.

Do mesmo modo, Raul Brandão, nas "Memórias", regista que Alfredo Costa, um dos assassinos do rei, em 1908, então com 25 anos, implorava para que outro conspirador, Manuel Buíça, de 32 anos, não participasse da conspiração, pois era demasiado velho para morrer. Morreram ambos, entre espadeiradas e tiros, mas o país chocou-se apenas com o mais velho. E o escândalo, toda a gente o sabia, é que viver devia ser o desaprender da morte.

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