Os partidos que nasceram porque não se revêem nos partidos

Sofia Afonso Ferreira está a tentar criar um partido e ainda anda atrás das 7500 assinaturas necessárias para passar no Tribunal Constitucional. O nascimento e crescimento dos partidos que surgiram depois da crise económica.

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Sofia Afonso Ferreira, em Lisboa, a angariar assinaturas Miguel Manso

É loura e elegante, mas é a forma de comunicar que dá nas vistas. Sofia Afonso Ferreira tem 41 anos e quer criar um novo partido. Para isso, precisa de andar na rua, à procura de quem a queira apoiar e recolher assinaturas. Antes dela, já outros fizeram o mesmo percurso. Nos últimos anos, nasceram vários partidos e movimentos em Portugal, sobretudo depois da crise económica. Ao todo são dez numa lista de 22, elaborada pelo Tribunal Constitucional, em primeiro lugar está o PCP, desde 1974.

Em Fevereiro, o P2 encontrou Sofia Afonso Ferreira em pleno Chiado, em Lisboa, num dia frio e chuvoso, em que as pessoas procuravam abrigo nas lojas e bares. Enregelada, a consultora de comunicação entra num bar, vinda do Largo do Camões, onde tinha começado a primeira acção de recolha de assinaturas para criar o Movimento Democracia 21. A maneira como fala cativa os clientes e os empregados. É com à-vontade e simpatia que começa a pedir assinaturas e a fazer conversa com todos. “Sou contra as quotas”, diz a uma amiga que ali encontra. “Sou pela paridade, mas é preciso ter mais mulheres na política”, diz, de seguida, ao P2. Depois de uma breve troca de ideias, marca-se encontro para mais tarde, quando conseguir reunir mais assinaturas. Se chegar às 7500, será a primeira mulher a fundar um partido em Portugal. Liberal e de direita. 

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“Em Portugal, existem poucos partidos de direita, dentro e fora do Parlamento”, refere Carlos Jalali, professor de Ciências Sociais, Políticas e do Território da Universidade de Aveiro. “O espaço [político] à esquerda está mais ocupado, mas mais fragmentado, do que o da direita”, começa por explicar o professor universitário. “Existem várias razões para que isso aconteça”, sendo a principal a existência de um regime autoritário durante quatro décadas.

Este ano, a Constituição da República Portuguesa (1976) ultrapassa, em tempo de duração, a do Estado Novo (1933). “Se a democracia é jovem, o Estado Novo estaria a entrar na flor da juventude”, brinca Carlos Jalali.

Há quatro décadas, a dicotomia esquerda/direita era mais acentuada, mas não “está longe de ter desaparecido do debate público”, salvaguarda o professor. “Os partidos podem rejeitar essas etiquetas, mas a verdade é que (...) depois vão ter de se centrar na questão da maior ou menor intervenção do Estado na economia”, acrescenta. 

Primeira dor de parto: as assinaturas

Em Portugal, são necessárias 7500 assinaturas para apresentar no Tribunal Constitucional. Na União Europeia, são 14 os países que pedem assinaturas para a constituição de partidos políticos. “Depois da Roménia e da Dinamarca, Portugal é o terceiro país” mais exigente, precisa Carlos Jalali. “Comparando com a Bulgária (que pede apenas 50) parece uma barbaridade”, acrescenta. Porém, “há uma lógica por trás disto”, que difere de país para país, que vai dos índices de participação cívica dos cidadãos/eleitores ao financiamento partidário. 

Rodrigo Saraiva, fundador da Iniciativa Liberal (IL), criada no fim de 2017, tem ainda fresco na memória o caminho difícil e burocrático que teve de fazer para inscrever o partido no Tribunal Constitucional. “Fomos nós que estivemos no site do MAI [Ministério da Administração Interna], a pôr manualmente os dados das pessoas e a retirar os números de eleitor”, recorda. 

O secretário-geral daquele que é o 22.º partido inscrito vê uma solução para agilizar e acelerar o processo: a assinatura digital. Esta serviria “para vários procedimentos e não apenas para fins de constituição de partidos”, defende. “Ainda é tudo muito [dependente do] papel”, lamenta. “A tecnologia existe, só falta vontade para que seja implementada”, acrescenta, dando como exemplo a Estónia. “Um cidadão estoniano, mesmo em Lisboa, pode saber quem é que, no seu sistema de saúde, esteve a consultar o (seu) processo”, exemplifica.

Mas esta primeira fase não é a mais difícil. “O principal desafio não é a questão das assinaturas. A formação ou a sobrevivência [do partido] não é o mais importante, mas sim ter votos. Estar registado para ter 500 votos?”, questiona Carlos Jalali. Porque “há outras formas de fazer política além do voto, como as organizações ou as associações”, defende.

Formas criativas de fazer política

O que diferencia os pequenos dos grandes partidos? A criatividade, por exemplo. Existem formas de fazer política “mais baratas, mais ecológicas e mais eficientes”, enumera Joana Amaral Dias, membro do movimento Agir, que já se coligou para eleições com o Movimento Alternativa Socialista (MAS) e com o Nós, Cidadãos. “Nas legislativas, fomos pôr a bandeira ‘vendido’ na Assembleia de República”, recorda. “Isso teve mais impacto do que se calhar 500 cartazes e passa uma mensagem bastante forte e eficaz. Se isso posteriormente se traduz em votos, é outra questão”, reconhece. 

Nas autárquicas, o movimento esteve à porta da residência oficial do presidente da Câmara de Lisboa com um cartaz que perguntava se o autarca não queria também arrendar a sua casa, conta Joana Amaral Dias. “São tantas as dificuldades que as pessoas têm em arranjar casa e em Lisboa!”, justifica. Portanto, para Amaral Dias, a solução é “fazer política de forma diferente”, resume, embora esteja consciente de que o facto de ter uma cara conhecida pode ajudar. “Na verdade, os partidos pequenos tentam ir buscar figuras conhecidas, até fora da política, mas sempre com projecção e dimensão mediática.” 

Para ela, “devia ser possível que as pessoas pudessem sair e entrar da vida política com mais facilidade”. Até porque os recursos acabam por drenar as energias de quem está na política apenas por “amor à camisola”, como acontece com outros membros do movimento a que pertence. Nos últimos anos, Joana saiu da esfera dos grandes partidos — foi deputada pelo Bloco de Esquerda — e foi candidata à autarquia da capital pelo Nós, Cidadãos. “Sou uma espécie de híbrido”, define-se.

Financiamento não é para os pequenos

“Marcelo teve de engolir três goles de água” antes de promulgar o diploma da Lei do Financiamento dos Partidos, ironiza Rodrigo Saraiva, dirigente da IL, referindo-se ao facto de o Presidente ter vetado inicialmente a lei, mas não poder fazê-lo uma segunda vez. Que esta os limita e condiciona é uma opinião comungada por todos os novos partidos, se bem que com nuances: há os que dispensavam qualquer subvenção estatal e os que acham que é obrigação do Estado financiar os que estão na linha de partida.

“Estamos totalmente dependentes de contribuições individuais, o que, por vezes, nos obriga a não dimensionar de uma forma tão grande como gostaríamos a nossa acção no terreno”, explica Pedro Nunes Rodrigues, da direcção do Livre. “A nova lei do financiamento dos partidos também não ajudará, porque potencia a desigualdade já existente entre os partidos na capacidade para agregar grandes valores”, acrescenta. Na mesma linha vai Élvio de Sousa, do Juntos pelo Povo (JPP), que conseguiu sentar cinco deputados na Assembleia Regional da Madeira, tornando-se a terceira força política na região: “Este regime de financiamento inferioriza os pequenos. Os partidos que não tiveram 50 mil votos não conseguem nenhuma subvenção. Não digo que seja inconstitucional, mas é um entrave.” 

Para Rodrigo Saraiva, cabe aos próprios partidos ter capacidade de se autofinanciarem. “Só servem para angariar votos? Não. Os partidos têm de ter capacidade de obter financiamento junto do seu público-alvo, sejam eles membros, simpatizantes, militantes, eleitores; com sistemas de quotizações, acções ou actividades que não impliquem dinheiros públicos”, defende.

Gil Garcia, do MAS, é contra o actual sistema e é mesmo da opinião de que não cabe ao Estado financiar os partidos. “O facto de os partidos viverem dos milhões de subvenção estatal [faz com que tenhamos] partidos que geram uma clientela bem paga, partidos que vivem acima da média dos seus eleitores e que se regem por interesses específicos”, critica. O Partido Unido dos Reformados e Pensionistas (PURP), na voz de Fernando Loureiro, defende a existência de uma verba única, “aleatória de, por exemplo, dez mil euros, a distribuir em partes iguais por todos os partidos”.

Joana Amaral Dias confessa-se desiludida quando os partidos que já chegaram ao poder se esquecem das dificuldades que tiveram no seu início. “Mal chegam ao poleiro, esquecem-se que já foram pequenos”, diz. 

Para existir, é preciso aparecer

Portugal é um dos países da Europa onde a televisão ocupa um peso acima da média enquanto fonte de informação política, informa Carlos Jalali. E os pequenos partidos têm acesso aos tempos de antena, na televisão e rádio públicas, o problema está na comunicação social, queixam-se. Esta “mata-os à nascença, num movimento antidemocrático e inconstitucional”, denuncia Joana Amaral Dias. Rodrigo Saraiva considera “a imprensa essencial” e defende que esta “devia sair da bolha de São Bento”. 

Se bem que compreenda a dificuldade da comunicação social, em particular das televisões, em realizar debates com 12 candidatos, Amaral Dias sugere que seja realizado pelo menos “um debate a 12 e depois fazer debates de quatro ou de seis”. E declara: “O que não pode acontecer é esta coisa obscena e ilegal que é estações como a SIC e a TVI fazerem debates com os partidos que já estão automaticamente eleitos.”

Rodrigo Saraiva não é tão crítico, talvez porque ainda não tenha sentido estes problemas, mas tem plena consciência de que eles vão surgir: “O difícil vai ser fazer chegar as mensagens aos 16 milhões de portugueses”, explica, contando com os que estão emigrados. 

“Conseguir dar a conhecer um partido não é fácil”, admite Pedro Nunes Rodrigues, do Livre. A culpa é dos grandes partidos, “com esferas de influência que alcançam até os mais pequenos meios de comunicação e que não facilitam que novas ideias sejam dadas a conhecer”, denuncia. Por outro lado, o alheamento dos cidadãos em relação à política condiciona a forma de passar as ideias “sem o recurso a sound bites  fáceis e sem pegar com facilidade nos temas, ou seja, com populismo”, avalia.

Para o PURP, todos os partidos deviam ter direito ao mesmo tempo de exposição nos media, independentemente de terem ou não lugares eleitos. “Seria a reposição de um direito constitucional”, que Fernando Loureiro lamenta que não exista.

Até ao fecho desta edição, o P2 tentou falar com Marinho Pinto, fundador do Partido Republicano Democrático (PRD) e eleito eurodeputado nas últimas eleições europeias. Numa recente entrevista à Rádio Renascença, o ex-bastonário dos Advogados declarou que o mais provável seria não voltar a ir a votos.

O poder das redes sociais

Carlos Jalali refere que há partidos que nascem e crescem nas redes sociais e dá o exemplo do italiano 5 Estrelas, de Beppe Grilo. O comediante que se tornou político rejeitou os meios de comunicação tradicionais e fez toda a sua campanha nas redes sociais.

Dois meses depois do primeiro encontro no Chiado, Sofia Afonso Ferreira está prestes a atingir as três mil assinaturas. A cara do Movimento Democracia 21 “anda a mil”. Num dos intervalos da sua digressão pelo país, confessa que esta fase está a ser “muito exigente e difícil de ultrapassar”. No entanto, a Internet e as redes sociais têm facilitado a divulgação do movimento, reconhece, enquanto mostra um envelope que tira da carteira. “Estamos há uns 15 dias a receber assinaturas por correio de Paris, Madrid e Londres”, revela, justificando que “faz muita diferença usar as redes sociais”.

“Os partidos estão atrasados em relação às redes sociais, assim como acontecia com as empresas, há uns tempos”, opina Sofia Afonso Ferreira. “Posso estar num evento e, no mesmo segundo, a responder a alguma dúvida”, explica, entusiasmada. Apesar de estar muito presente nas redes sociais, a exposição pública ainda não é fácil para esta consultora de comunicação. “Dizem que eu tenho um feitio complicado, mas acho que é por ser mulher”, conjectura. Também, por isso, defende que existam mais mulheres na política.

Nesta nova experiência tem notado a reacção do sexo masculino: “Há homens que me dão conselhos absurdos”, conta, os mais comuns são: “É melhor não dizeres que és de direita” ou “não devias defender a paridade”. “É hilariante!”, ri. Para Sofia Afonso Ferreira, é uma vantagem assumir-se como sendo de direita, apesar da conotação negativa que o termo ainda tem. E quanto ao afirmar-se liberal? “As pessoas confundem liberal com neoliberal. Porque não temos essa tradição”, refere. Por isso, desfazer esse conceito é um dos grandes trabalhos que tem pela frente.

Este encontro seguiu-se após o congresso do CDS, que Sofia Afonso Ferreira seguiu com atenção. “O CDS quer conquistar espaço, mas nas últimas eleições só teve 12% e isso não é saudável”, defende. “No congresso, viu-se que há uma cisão entre os mais conservadores e os que querem virar para uma dinâmica diferente e mais liberal”, continua. 

“Os partidos não falarem dos problemas da sociedade talvez seja o motivo por que as pessoas mais novas estão arredadas da política”, continua. E também porque os recentes casos de corrupção lhes dêem motivos para o fazer. “Um bocado a brincar, eu costumo dizer que as pessoas vão para a política criar cadastro”, aponta, com humor. O caminho pode vir a ser uma coligação à direita, diz, mas até lá tem de chegar às 7500 assinaturas. Até Maio, saberemos se Sofia Afonso Ferreira vai ter o mérito de ser a primeira mulher a inscrever um partido em nome individual, no Tribunal Constitucional.

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