As Cientistas que deram a volta aos “nãos” que a história lhes impôs

Ainda há caminho a percorrer no reconhecimento das cientistas brilhantes que ficaram na sombra ao longo da história. As Cientistas, de Rachel Ignotofsky, chega às livrarias a 16 de Março e inclui na sua edição em português Branca Edmée Marques e Elvira Fortunato.

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Branca Edmée Marques (1899-1986), a primeira mulher a tornar-se professora catedrática de química em Portugal Rachel Ignotofsky

“Criatividade, persistência e paixão pela descoberta” – foram estas as “ferramentas” das mulheres pioneiras que inundam as páginas de As Cientistas – 52 Mulheres Intrépidas que Mudaram o Mundo, de Rachel Ignotofsky. Com ilustrações riquíssimas e notas divertidas, fica-se a conhecer as histórias de mulheres notáveis nos campos da ciências, tecnologias, engenharia e matemática (CTEM), desde Hipátia, de Alexandria, a primeira mulher matemática na Antiguidade, até ao presente. Mulheres que, “diante de um ‘não’, responderam: ‘Isso é o que vamos ver’”, conta a autora na introdução da obra, dirigida a rapazes e raparigas curiosos, cuja edição em Portugal – que inclui duas cientistas portuguesas – chega às livrarias a 16 de Março.

Os tempos são diferentes, mas o percurso das mulheres na ciência – como noutras áreas da sociedade – não foi fácil. “Ainda que homens e mulheres partilhem a mesma sede de conhecimento, as mulheres nunca tiveram as mesmas oportunidades de explorar os mistérios do Universo”, refere Rachel Ignotofsky na introdução.

Os exemplos abundam, desde Marie Curie, a primeira mulher a receber um Prémio Nobel mas que trabalhou “num minúsculo barracão empoeirado”, até a Lise Meitner, que realizou experiências de radioquímica “numa cave húmida” porque estava proibida – por ser mulher – de entrar no edifício da universidade. Além do acesso difícil aos espaços de conhecimento, as mulheres tiveram também poucas oportunidades para brilhar – como aconteceu, por exemplo, com Rosalind Franklin, que foi crucial na descoberta da estrutura em dupla hélice do ADN e que valeu o Prémio Nobel a James Watson e Francis Crick.

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Rosalind Franklin, química e especialista em cristalografia de raios X Rachel Ignotofsky

Este não é, contudo, um livro para chorar o tempo perdido, mas sim para celebrar o contributo e combater a invisibilidade das mulheres que, ao longo da história, fizeram a ciência avançar ao desbravar territórios desconhecidos. Ao longo das páginas, navegamos pela vida de cientistas como a bióloga marinha Sylvia Earle, que bateu o recorde do mergulho mais profundo em 1979 (estará em Lisboa em Abril numa conferência da National Geographic), para na página seguinte voar com Valentina Tereshkova, cosmonauta da então União Soviética que se tornou, em 1963, na primeira mulher no espaço.

Em cada página, uma inspiração deixada por estas mulheres: “A imaginação é a capacidade essencial à descoberta. É ela que penetra nos mundos invisíveis que nos rodeiam”, afirmava a matemática Ada Lovelace, a primeira programadora de computadores da história, ainda no século XIX. Há ainda uma cronologia com os acontecimentos mais marcantes da história das mulheres (dentro e fora dos laboratórios), um glossário para aprender o que é um electroscópio ou para que serviam os cartões perfurados, e ainda ilustrações dos instrumentos de um laboratório completo.

Engenheiras todos os dias

A edição do livro As Cientistas em Portugal, pela Bertrand (15,50 euros), conta com o apoio da Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género (CIG), e sublinha a preocupação com as desigualdades entre mulheres e homens nas áreas CTEM. “Ao longo do seu percurso escolar, raparigas e rapazes vão sendo condicionados nas suas escolhas, com impacto nos percursos académicos e oportunidades profissionais futuras”, lê-se no prefácio da CIG. O livro mostra que Portugal tem bons indicadores – com um aumento significativo de mulheres cientistas, apesar de estarem mais representadas em áreas que “não são tão reconhecidas e bem remuneradas” –, mas a proporção de mulheres em campos como a engenharia, indústrias transformadoras e construção ainda é baixa (33%). 

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Sylvia Earle, bióloga marinha, exploradora e aquanauta, vai estar em Portugal em Abril Rachel Ignotofsky

E porque os exemplos portugueses também são importantes, ao lado de cientistas célebres como Grace Hooper, a “mãe” da programação moderna, e da primatóloga Jane Goodall, a edição do livro no país traz ainda as histórias de duas cientistas portuguesas, escritas com o apoio da Amonet – Associação Portuguesa de Mulheres Cientistas e ilustradas especialmente pela autora, de acordo com a Bertrand.

Podemos aprender mais sobre Branca Edmée Marques (1899-1986), a primeira mulher a tornar-se professora catedrática de química em Portugal (apenas “12 anos depois de se ter habilitado a essa posição”), que foi orientada por Marie Curie em Paris. E ainda Elvira Fortunato, que inventou o primeiro transístor de papel, na altura apelidado “a patente mais cobiçada do mundo”. 

O livro As Cientistas vem juntar-se a outras obras e projectos que tentam cativar meninas e jovens mulheres para todas as áreas científicas, como o projecto Engenheiras Por Um Dia, em que investigadoras do Instituto Superior Técnico de Lisboa visitam este ano lectivo escolas para desenvolver actividades com as alunas, e o livro Mulheres na Ciência, lançado em 2016 para celebrar os 20 anos da Ciência Viva – Agência Nacional para a Cultura Científica e Tecnológica. Este projecto pôs em foco 137 investigadoras de áreas variadas, para “inspirar jovens a seguir a sua vocação”.

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