Brasil vai pedir anulação de nacionalidade portuguesa de Raul Schmidt

A Advocacia-Geral da União, órgão brasileiro, diz que se vai basear no argumento de que há provas “que Schmidt obteve a nacionalidade portuguesa apenas com o objectivo de evitar ser julgado no Brasil". Ministério da Justiça português não comenta. Advogado considera interferência externa.

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A operação Lava-Jato esteve nos protestos de rua Reuters/NACHO DOCE

A Advocacia-Geral da União (AGU), entidade que tem a seu cargo a representação jurídica do Estado brasileiro perante órgãos internacionais, vai pedir a anulação da concessão da nacionalidade portuguesa a Raul Schmidt de modo a este ser extraditado para o Brasil. A viver em Portugal, o luso-brasileiro é acusado de ter intermediado o pagamento de luvas a ex-directores da Petrobras no caso Lava-Jato e está no meio de um processo de extradição para o Brasil que aguarda conclusão.

Num comunicado publicado no site da AGU refere-se que o argumento será de que há provas “que Schmidt obteve a nacionalidade portuguesa apenas com o objectivo de evitar ser julgado no Brasil”. A acção, conjunta com o Ministério Público Federal, será “a primeira dessa natureza movida pelo Estado brasileiro no exterior”, sublinha-se. “É importante para demonstrar que o Brasil não vai deixar de actuar para punir actos criminosos”, afirma o advogado da AGU Tonny Teixeira de Lima, do Departamento de Assuntos Internacionais da Procuradoria-Geral da União, citado no comunicado.

Contactado pelo PÚBLICO, o Ministério da Justiça português diz que “não se pronuncia sobre factos hipotéticos (a eventual impugnação da atribuição da nacionalidade portuguesa)”. Mesmo que essa impugnação se concretizasse, “como ela é necessariamente judicial, está igualmente excluída qualquer pronúncia”, dado o princípio da independência dos tribunais. 

Já um dos advogados de Raul Schmidt, Alexandre Mota Pinto, comenta que se trata de "uma tentativa de interferência de uma instituição estrangeira nas instituições soberanas de outro estado".

A extradição de Schmidt foi pedida pelas autoridades brasileiras depois da sua detenção em Março de 2016, altura em que ficou em prisão preventiva (sendo depois libertado). Neste momento, e interpostos vários recursos, aguarda em casa o último pedido da revisão da decisão sobre a extradição, interposto no Tribunal da Relação de Lisboa, por “falta de fundamento legal e violação do caso julgado”.

A defesa tem recorrido ao facto de Raul Schmidt ter a nacionalidade portuguesa, que conseguiu adquirir por duas das vias actualmente possíveis: em Dezembro de 2011 fê-lo através da naturalização; a 9 de Janeiro de 2018, depois de recorrer à hipótese de pedir nacionalidade como neto de português, passou a ser português de origem.

Pediu nacionalidade com urgência

Schmidt tornou-se num dos únicos quatro cidadãos que o conseguiram desde que em Junho entrou em vigor a mais recente regulamentação da Lei da Nacionalidade, em que entraram mais de 1630 pedidos, quase 1100 de brasileiros (os dados são de final de Janeiro e três das quatro concessões são de brasileiros).

O pedido foi feito com carácter de urgência por causa do processo de extradição - e seria diferido pelo Instituto dos Registos e Notariado - “com fundamento na circunstância, invocada pelo requerente, de que o tempo da tramitação processual poderia causar prejuízos irreparáveis uma vez que, na perspectiva do requerente, a aquisição da nacionalidade originária afastaria a possibilidade de extradição”, explicou o Ministério da Justiça numa nota.

Na terça-feira, os advogados de Schmidt foram  à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias da Assembleia da República para serem ouvidos pelos deputados e tentar convencê-los de que a lei não está a ser cumprida.

Alegam que houve uma violação da Constituição pela ministra da Justiça Francisca Van Dunem ao aceitar, em Abril de 2016, a extradição do empresário, que “tem um direito fundamental a ser acusado e julgado, em Portugal”, disse Alexandre Mota Pinto. Defendem ainda que não deveriam ter sido os tribunais a tomar a decisão, já que “a extradição assenta sempre no exercício de um poder soberano do Governo português”.

Já a ministra da Justiça respondeu, através do seu gabinete, que a “intervenção do ministério no processo de extradição deixou de ser admissível por força do encerramento da fase administrativa do processo de extradição [em Abril de 2016], devendo essa questão ser decidida pelos tribunais”.

Os advogados alegam que “as autoridades portuguesas” não perguntaram até hoje às brasileiras se “o Brasil tem condições de manter a necessária garantia de reciprocidade, tendo em conta que é um nacional português de origem”.

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