Lula da Silva e os seus defensores

Admito que possa haver uma nova geração de juízes que está desejosa de erradicar a corrupção no Brasil, e que possa cometer erros. É, no entanto, absurdo afirmar que Lula da Silva foi condenado sem provas.

Que Joana Mortágua afirme que “só o povo será o tribunal de Lula” não chega sequer a espantar. Que Daniel Oliveira considere que o “afastamento constitucional da presidente eleita” e o “processo contra o candidato mais popular de forma a impedi-lo de ir a votos” são duas peças de um mesmo “golpe constitucional” apenas demonstra a péssima relação que a esquerda tem com a justiça, confundindo deliberadamente a destituição de Dilma Rousseff – um processo político a muitos títulos lamentável – com a condenação de Lula – um processo judicial oriundo de uma investigação que atingiu quase todos os partidos brasileiros, independentemente da sua cor política.

Que Boaventura Sousa Santos afirme que o objectivo da operação Lava Jato é “liquidar, pela via judicial, não só as conquistas sociais da última década como também as forças políticas que as tornaram possíveis”, e que se acaso “o Judiciário não tivesse cumprido a sua função, talvez Lula da Silva viesse a ser vítima de um acidente de aviação” promovido pelas “forças conservadoras” e pelo “imperialismo americano”, apenas significa que é importante não esquecer de usar chapéu quando se faz demasiado trabalho de campo em zonas tropicais. Que Manuel Carvalho, um dos colunistas mais ponderados da imprensa portuguesa, diga que Lula da Silva foi condenado sem que as autoridades policias e judiciais estivessem munidas “de um conjunto de provas consistentes”, já me preocupa mais um bocadinho e leva-me a escrever este texto.

Eu não conheço todos os sistemas judiciais da Europa para poder dizer, como Manuel Carvalho, que “nenhum tribunal europeu” condenaria Lula da Silva com base nas provas reunidas pelo Ministério Público brasileiro sobre o triplex de Guarujá. Em Portugal, é muito provável que não condenasse, de facto. Mas pergunto: as práticas de combate à corrupção em Portugal são exemplo para alguém? Os tribunais têm sido eficazes nos últimos 40 anos a condenar quem enriqueceu à custa do erário público? Nas prisões encontram-se políticos que entraram nos paços do concelho sem um tusto e saíram com vivendas na serra? Parece-me absolutamente espantoso utilizar os nossos conhecimentos do brilhante sistema judicial português para vilipendiar o lamentável sistema judicial brasileiro.

Acho ainda mais extraordinária a tese de que quatro juízes independentes estão mancomunados para condenar Lula e o afastar da presidência. Admito que possa haver uma nova geração de juízes, inspirada pelo exemplo de Sérgio Moro e pelo processo Mãos Limpas em Itália, que está desejosa de erradicar a corrupção no Brasil, e que possa cometer erros no decorrer desse processo. É, no entanto, absurdo afirmar que Lula da Silva foi condenado sem provas.

Aquilo que está em causa são diferentes visões sobre a forma de enfrentar o problema da corrupção. Uma visão, como é o caso da portuguesa, que exige ao Ministério Público não só que prove que o corrupto recebeu uma vantagem indevida mas também a identificação do serviço exacto que ele prestou ao corruptor. E a visão, que tem sido a dos juízes brasileiros no processo Lava Jato, que considera que esta exigência levada às últimas consequências dificultaria de tal forma a prova do crime que quase todos os corruptores ficariam impunes. Ora, diferentes visões sobre a justiça não transformam a condenação de Lula num acto político. Não há golpe nenhum. O que há é o desejo de ver a justiça subordinada à política por parte de demasiados amigos de Lula da Silva.

 

Sugerir correcção
Ler 42 comentários