Uma tonelada de queijo e linguiça no lixo

Os funcionários da recolha de lixo choravam, a equipa de Roberta Sudbrack implorava, mas não houve nada a fazer: uma tonelada de queijo e linguiça artesanais, em perfeitas condições, foi completamente destruída por ordem da Vigilância Sanitária. O episódio aconteceu em Setembro passado, durante o festival Rock in Rio.

“Preparei-me durante um mês para estar no Rock in Rio e ao fim de três horas vim-me embora”, conta a chef ao P2, ainda indignada com o que se passou. Apesar de terem o selo de salubridade atribuído pelo estado onde são produzidos, os produtos, de pequenos produtores com os quais Roberta trabalha há muitos anos, não tinham um outro selo: o da circulação, necessário para que sejam levados de um estado para outro.

“Trata-se de uma lei de 1950, do tempo de Getúlio Vargas, uma altura em que as estradas eram muito piores e as condições de armazenamento e transporte também e talvez não se pudesse ter a certeza de que os produtos circulavam com segurança”, diz Roberta. “Hoje, em 2017, as estradas e as condições melhoraram muito, inclusive, estes produtos viajam por via aérea. Como é que o que está bom para comer em Pernambuco não está bom para comer no Rio?”

E, mesmo que, por razões burocráticas, os fiscais insistissem em cumprir a lei, proibindo Roberta de vender os alimentos no festival, poderiam, argumenta a chef, ter autorizado que o queijo e a linguiça fossem doados. Mas tal também não aconteceu. “A questão burocrática fica até pequena perante a humanitária. Você pegar numa tonelada de comida e jogar fora num mundo em que há fome? Que sentido tem isso?”

Os responsáveis do Rock in Rio ainda lhe pediram que reconsiderasse e ficasse, usando produtos industriais. “Mas eu disse que não. Eticamente não dava para continuar. Não caminhei uma vida inteira para chegar aqui, olhar para a cara do meu fornecedor que trabalha comigo há 20 anos e dizer que fiz isso.”

O sucedido levou os chefs brasileiros a unir-se na condenação da atitude das autoridades e na determinação em continuar a usar produtos artesanais de pequenos produtores. “A gente enfrenta tudo isso tornando-nos cada dia mais clandestinos”, conclui Roberta.

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