Catalunha: isto tem tudo para acabar mal

Espanha precisava desesperadamente de um estadista brilhante, capaz de tirar uma carta da manga, de promover a reconciliação e de encontrar uma plataforma mínima de entendimento. Mas ninguém vislumbra onde ele esteja.

O pior é a absoluta imprevisibilidade: ninguém faz a menor ideia do que possa vir a acontecer na Catalunha. Nem Mariano Rajoy, nem Carles Puigdemont, nem o rei, nem o PSOE, nem a CUP, nem o Podemos. Ninguém. A luta pela independência é um comboio desgovernado que pode em breve vir a fazer as suas primeiras vítimas. Acredito que nem espanhóis, nem catalães, desejem que a violência desça às ruas, e é de louvar os discursos recorrentes de apelo à calma e à paz. Mas isso deixa-nos tão descansados quanto um pirómano a proferir belos discursos enquanto acumula fósforos e gasolina.

A comunicação social é um reflexo terrível do extremismo a que se chegou. Experimentem a ligar a TVE ou a ler jornais como o El País ou o El Mundo (o mesmo pode ser dito da catalã TV3 – um dos seus jornalistas chegou a saltar para cima de um carro da Guardia Civil durante um directo). O tratamento dos media é absolutamente chocante. Não há qualquer ponderação dos argumentos das duas partes ou o mínimo esforço para alcançar um módico de objectividade. É Espanha de um lado e Catalunha do outro. O verdadeiro jornalismo está suspenso, esmagado pelo peso das emoções e das convicções de cada redacção, que coincide com o espaço geográfico onde está instalada. Tendo em conta que cada um dos lados tem abundantes e justas razões para se queixar do outro, o resultado é um jornalismo de trincheiras e de indignações, que trata ele próprio de dinamitar pontes.

O poder executivo, judicial, legislativo, somado ainda ao quarto poder, o dos media, está do lado de Espanha. Encostado à parede, Puigdemont mudou três vezes de ideias num só dia, até proclamar uma independência aos repelões e com a oposição fora da sala. É a prova de que não há qualquer rumo traçado, nenhum plano compreensível, nenhum outro objectivo para além de um desejo de independência que ninguém sabe como concretizar. Do outro lado, há a vantagem do poder, do número e da força, mas também ninguém sabe bem o que fazer com o artigo 155, até porque ele nunca foi aplicado. O que vem a seguir? A Guardia Civil em confronto com os Mossos d’Esquadra? Tanques do Exército espanhol a subir as Ramblas? 

Cresce a sensação terrível de que apenas uma tragédia poderá pôr um travão neste crescendo de ódio e de extremismo político, onde as duas partes estão absolutamente convencidas da sua virtude. Em casos como este, a convicção absoluta de se deter o monopólio da razão é o primeiro passo para o desastre. É possível que seja necessário que alguém morra para que a gritaria cesse. Espanha precisava desesperadamente de um estadista brilhante, capaz de tirar uma carta da manga, de promover a reconciliação e de encontrar uma plataforma mínima de entendimento. Mas ninguém vislumbra onde ele esteja.

A conversa de legalidade, utilizada por todos os anti-independentistas, é bastante inútil, porque as secessões nunca estão constitucionalmente previstas. O argumento do perigo de outras secessões na Europa é muito interessante para os estudiosos de geopolítica mas nada diz aos catalães que aspiram a ter o seu próprio país. Já o descalabro da economia catalã, a fuga das empresas, a saída da União Europeia e o isolamento da Catalunha são argumentos bem mais eficazes do que os suspiros pela grande Espanha. Esse deveria ter sido o caminho: discutir, debater, esclarecer, falar, ouvir, e, no fim, votar. Infelizmente, a primeira vítima deste conflito foi a democracia – tantas vezes invocada e tão pouco respeitada.

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