É expectável que a consolidação continue no mercado da aviação

António Gomes de Menezes, ex-CEO e membro do conselho de administração da TAP, diz que o fenómeno da consolidação "apenas não será verdadeiramente global e ainda mais intenso devido às restrições legais" existentes.

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António Gomes de Menezes saiu da Sata em 2014 DR

Para António Gomes de Menezes, ex-CEO e membro do conselho de administração da TAP, há algo em comum no caso da Monarch, da Air Berlin e da Alitalia: o facto de não terem conseguido "adaptar os respectivos modelos de negócios a uma maior competitividade do sector do transporte aéreo". Sobre a Ryanair, este economista, que passou também pela EuroAtlantic e pela suíça PrivatAir, diz, em respostas por escrito, que esta terá de rever as condições laborais que oferece (maiores custos por funcionário) ou admitir elevados níveis de rotação ao nível dos trabalhadores.

Como vê o fim da Monarch, da Air Berlin e da Alitalia, em poucos meses? Há algo em comum nestes casos?
Um denominador comum reside no facto destas três companhias aéreas não terem conseguido adaptar os respectivos modelos de negócios a uma maior competitividade do sector do transporte aéreo na Europa. Esta maior competitividade advém, por um lado, do espectacular crescimento dos operadores de baixo custo (Low Cost Carriers ou LCCs), e, por outro, da consolidação e do fortalecimento dos grandes grupos (Lufthansa, Air France – KLM e IAG, que integra a British Airways e Iberia).
A Monarch viu o seu espaço natural – fluxos outbound de lazer à saída do Reino Unido – progressivamente ocupado pelas LCCs; a Air Berlin não clarificou a sua proposta de valor e não especializou o seu modelo de negócio, pelo que nem conseguiu competir com as LCCs nos segmentos de mercado mais sensíveis ao preço, nem com o Grupo Lufthansa, nos restantes segmentos e nas operações de longo-curso e regionais (áreas ainda não sobremaneira ocupadas pelas LCCs); a Alitalia é um caso crónico de uma companhia aérea que sofre dos chamados legacy issues, em especial ao nível da sua estrutura de custos.

No caso dos problemas com que a Ryanair  se está a defrontar, há também algo em comum, ou é um caso particular?
A Ryanair é um operador formidável, que apresenta sistematicamente os melhores resultados financeiros na Europa, sendo a companhia aérea que mais passageiros transporta em toda a Europa: é um caso totalmente distinto e pela positiva. No entanto, o modelo de negócio da Ryanair assenta numa optimização operacional alavancada na maximização da utilização dos seus activos e factores de produção, desdes as aeronaves aos recursos humanos. A falta de pilotos na Europa (e no Mundo), associada ao crescimento de operadoras com práticas de recursos humanos mais atractivas (como a Norwegian), conduziu a uma maior taxa de atrito dos pilotos na Ryanair, o que, por sua vez, provocou a necessidade da Ryanair reajustar em baixa, no imediato e no curto prazo, o número de voos oferecidos.
A médio prazo e a longo prazo a Ryanair tem todas as condições para continuar a crescer, em especial no Leste da Europa, apresentando as melhores taxas de rendibilidade financeira do sector, tendo, todavia, que rever as condições laborais que oferece (maiores custos por funcionário) ou admitir elevados níveis de turnover [rotação] no seu staff; em todo o caso, o actual diferencial do custo unitário da Ryanair para a média do sector permite que a Ryanair possa rever as suas políticas de recursos humanos, sem que tal inviabilize, de todo, a sua capacidade de permanecer líder inter-pares no que respeita a rendibilidade económica e financeira.

Quem está a beneficiar mais com o fim destas empresas?
No curto prazo, quem mais beneficia com o fim destas empresas são as restantes incumbentes que operam nos mesmo segmentos e nas mesmas geografias. No caso da Monarch, serão as LCCs com maior presença no Reino Unido. No caso da Air Berlin, será o Grupo Lufthansa e as LCCs que crescem na Alemanha, como a EasyJet e a Ryanair. No caso da Alitalia estamos perante um processo mais gradual mas as LCCs continuarão a ganhar quota de mercado na Itália. A médio e a longo prazo serão as LCCs.

O mercado da aviação na Europa está a atravessar uma fase de consolidação? Esta vai continuar a verificar-se nos próximos anos?
O mercado da aviação na Europa tem vindo a consolidar-se e é expectável que esta consolidação continue, mas não necessariamente com incrementos constantes, pois em certas geografias este processo encontra-se bastante avançado.
A título ilustrativo desta situação, considere-se a Espanha onde quer a Iberia quer a Vueling foram integradas na IAG e operadores dito independentes, como a Air Nostrum, têm parcerias estratégicas com a Iberia; na Irlanda a Aer Lingus entrou na esfera da IAG e sobra a Ryanair cujas investidas sobre a Aer Lingus no passado recente mereceram resistência por parte da autoridade da concorrência. Em síntese, o fenómeno da consolidação é transversal a todo o espaço europeu e é expectável que operadoras independentes sejam absorvidas por grupos maiores, se bem que casuisticamente os reguladores possam abrandar este processo de consolidação.

Estamos a assistir a um fenómeno europeu, ou o mesmo se está a passar noutras regiões?
É um fenómeno mais presente em mercados ditos maduros, onde a consolidação assume um papel de maior relevo como via para o crescimento dos operadores mais eficientes e/ou com maior escala. Neste sentido, o fenómeno da consolidação tem sido bastante patente não só na Europa mas também nos EUA, onde as maiores companhias aéreas se têm vindo a fundir, como é o caso da United com a Continental, da Delta com a Northwestern, da American com a US Airways, da Southwest com a Air Tran e da Alaska com a Virgin America. Em diferente grau, este fenómeno também se tem verificado na América Latina (dinâmicas da LATAM, Avianca TACA, etc.). O fenómeno da consolidação apenas não será verdadeiramente global e ainda mais intenso devido às restrições legais que impedem em inúmeros países as respectivas companhias aéreas serem (maioritariamente) adquiridas por entidades estrangeiras.

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