Secretaria de Estado da habitação chega numa altura de conflitualidade no mercado

Proprietários falam em sinais contraditórios do Governo, que cria Secretaria de Estado depois de várias medidas negativas para o sector.

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Mercado de arrendamento continua inacessível para muitas famílias. fábio augusto

A habitação ou a falta dela. A criação da Secretaria de Estado da Habitação é recebida com um misto de esperança, na resolução de vários problemas, e de frustração, por surgir depois de medidas recentes, consideradas gravosas para o sector.

Um dos dossiers “quentes” que Ana Pinho, a nova secretária de Estado da Habitação, passa a ter em mãos é o mercado do arrendamento, que vive um momento de crise profunda, que resulta da escassez da oferta para alojamento tradicional ou permanente, o que faz disparar o valor das rendas. Alugar casa no centro das grandes cidades é inacessível para a maioria das famílias e jovens portugueses.

Luís Menezes Leitão, presidente da Associação Lisbonense de Proprietários (ALP), considera que a criação da Secretaria de Estado é um reflexo “da má consciência do Governo em relação a recentes medidas, que serviram para arrasar o mercado da habitação”. Dá como exemplo “o congelamento das rendas”, ou seja, o prolongamento do período de actualização das rendas antigas para determinados famílias com menores rendimentos e idosos, aprovado já este ano no Parlamento, que, defende, “abalou profundamente a confiança neste mercado”.  

O que estava previsto na reforma do arrendamento era a criação do subsídio de renda, para os grupos mais desfavorecidos, e que deveria estar disponível já este ano, o que não aconteceu, nem deverá acontecer nos anos mais próximos.

António Frias Marques, presidente da Associação Nacional de Proprietários, defende que, fruto de medidas avulsas e sinais contraditórios, “o mercado de arrendamento pura e simplesmente não existe”. E garante que há proprietários que preferem ter os seus imóveis devolutos.

As recentes medidas fiscais, como a criação do adicional ao imposto municipal sobre imóveis (AIMI) e a elevada carga fiscal sobre o rendimento das rendas são outras das medidas que travam a dinamização desse mercado e que passam essencialmente pelo Ministério das Finanças.

Mas há outro dossier quente à espera de Ana Pinho - que tem formação e experiência no sector da habitação, especialmente na reabilitação -, e que se cruza com o do arrendamento tradicional. Trata-se do alojamento local (AL), ou para turistas, que não pára de crescer. Está a expulsar antigos residentes de alguns barros típicos, especialmente em Lisboa e no Porto, e a descaracterizá-los.  

Com rendas mais elevadas, carga fiscal mais baixa, e sem os problemas de inquilinos incumpridores, é neste segmento que muitos proprietários estão a colocar os seus imóveis. Grande parte da reabilitação urbana, que Ana Pinho bem conhece, já que dirigia actualmente o Fundo Nacional de Reabilitação do Edificado, também tem esse destino.

Como a legislação permitiu o AL em prédios residenciais, os conflitos entre vizinhos são elevados e já chegaram aos tribunais e ao Parlamento, onde um grupo de deputados do Partido Socialista avançou com um projecto de lei que pretende dar poder às assembleias de condóminos para autorizar ou não aquela actividade. A proposta, agora reforçada com uma iniciativa legislativa do PCP, não é consensual dentro do PS e terá sido apresentada à revelia da Secretaria de Estado do Turismo e da Secretaria de Estado do Ambiente, onde estava arrumada a habitação. A antiga consultora da Câmara de Lisboa terá agora de trabalhar esta matéria com a Secretaria de Estado do Turismo.

O mercado de compra e venda de casas está animado, com bastantes transacções, e uma preocupante escalada de preços, porque, também aqui, a oferta não abunda. António Frias Marques destaca que “boa parte das compras são feitas por investidores estrangeiros, nomeadamente chineses e russos, que ficam com as nossas melhores casas”, sendo reduzida a capacidade dos portugueses para comprar casas, em especial os mais jovens.

No plano das esperanças, Luis Menezes Leitão espera que a nova secretária de Estado “não tenha a mesma postura ideológica do Governo”. António Frias Marques deseja que seja “capaz juntar todo o sector e de ouvir o que tem para dizer, o que não tem acontecido”. Também Luis Lima, presidente das empresas de mediação imobiliária, também “gostava que existisse maior diálogo e capacidade de articulação das matérias da habitação junto de vários ministérios”. Romão Lavadinho, presidente da Associação Lisbonense de Proprietários, espera que possa ser criada “uma verdadeira lei de bases da habitação, porque não podem ser os privados a resolver tudo”.

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