Havia aldeias para evacuar, mas Protecção Civil não conseguiu

Às 19h25 evacuou-se a primeira aldeia. Foi 35 minutos depois do corte do IC8 que aconteceu porque já havia “perigo para as pessoas”. Protecção Civil diz que não foi possível de outro modo.

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Estrada onde morreram 33 pessoas foi fechada após informação de vítimas mortais Adriano Miranda

Os novos dados sobre o incêndio de Pedrógão Grande mostram que as autoridades consideraram importante cortar o IC8 entre o nó de Figueiró dos Vinhos e Pedrógão Grande — com a justificação de que havia “perigo para as pessoas e seus bens” — meia hora antes de receberem o alerta para evacuar a primeira aldeia próxima da mesma estrada e meia-hora depois das primeiras notícias com a informação de que havia habitações em risco. Nas respostas de António Costa ao Parlamento, a Protecção Civil admite a dificuldade em chegar às pessoas, assumindo que “houve evacuações identificadas como necessárias e que não se conseguiram realizar atempadamente”, tendo em conta “a velocidade de propagação do incêndio e dada a intensidade do mesmo”.

No período inicial crítico do incêndio (antes mesmo do fenómeno do downburst registado na EN236-1 entre as 20h10 e as 20h20 de 17 de Junho), há vários alertas que se sucedem de aldeias em perigo a uma velocidade que, olhando para a fita do tempo, se situa no lapso temporal de cerca de hora e meia. Durante esse período, as autoridades consideraram importante encerrar o IC8, às 18h50, segundo a informação que foi dada ao primeiro-ministro, mas não foram evacuadas aldeias — a Protecção Civil diz que não foi possível.

A primeira notícia de habitações em risco é dada pela Lusa às 18h48, citando fontes dos bombeiros e da GNR, algo que era negado na mesma notícia pelo Comando Distrital de Operações de Socorro da Protecção Civil de Leiria — isto, à hora que a GNR decidia encerrar o IC8. A Protecção Civil informa, no entanto, o primeiro-ministro que só foi alertada para aldeias em perigo meia-hora depois. Nas respostas que António Costa enviou nesta quinta-feira ao Parlamento explica-se que segundo a Autoridade Nacional de Protecção Civil (ANPC), “a necessidade de evacuar populações surge a partir das 19h25 (...), hora em que é dada a primeira informação ao Posto de Comando da existência de pessoas em perigo junto à localidade de Mosteiro”.

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Este desfasamento das informações sobre as horas a que pessoas e habitações passaram a estar em risco ainda está por explicar. Contudo, nesta altura todas as estações do SIRESP ainda estariam a funcionar bem. Só às 19h38 falha a primeira, a de Pedrógão Grande, que entrou em “modo local”, ou seja, a permitir apenas comunicações entre os terminais registados na mesma estação.

Nestas horas iniciais da tragédia, a Protecção Civil acaba por referir a impotência perante a violência do fogo. Nas respostas ao CDS, enviadas por Costa, é referido que “segundo a ANPC houve evacuações identificadas como necessárias e que não se conseguiram realizar atempadamente”, sobretudo “dada a velocidade e propagação do incêndio”.

Um desses casos foi a aldeia de Mosteiro, de onde a ANPC diz que saiu o primeiro alerta.  Olhando para o mapa, esta aldeia fica perto de Pedrógão, numa estrada paralela ao IC8 (que já estava cortado). Acompanhando o trajecto do incêndio, o próximo alerta dado, segundo a “caixa negra” publicada no site do Governo, é no sítio de Casalinhos, na zona de baixo do IC8, às 19h45 (20 minutos depois). É dito que o 112 informa que há “três vítimas no interior de uma habitação”, cercadas “pelo incêndio” e que não é possível comunicar com o posto de comando.

A secretaria-geral do Ministério da Administração Interna (SGMAI) identifica nesta localidade cinco vítimas mortais. A aldeia faz parte da lista de aldeias que a ANPC diz que não foi possível evacuar (13 foram mesmo evacuadas nos primeiros dois dias do incêndio) e que inclui ainda, “designadamente, Troviscais Fundeiros, Torneira, Casal Valada, Vermelho, Mó, Mosteiro, Várzeas, Vila Facaia e Casalinho”. De alguns destes locais saíram pessoas que acabaram por morrer na estrada.

Seguindo no mapa, as próximas pessoas a morrer (pelas 20h, 20h30) estão na aldeia do Nodeirinho, a mais próxima do IC8, que também não foi evacuada — mas esta não aparece designada nas respostas. Aqui morreram 11 pessoas. A partir daqui, o incêndio toma outro rumo, dirigindo-se para as aldeias que ficam junto à EN236-1 e provocando a fuga de muitos que acabariam por morrer na estrada ou a tentar chegar lá. Sobre a EN236-1, as respostas informam que, afinal, as vítimas mortais foram 33 (a SGMAI identificava 30) e 14 em várias estradas que saem das aldeias e se cruzam com a 236-1. Segundo a SGMAI, estas pessoas terão morrido depois das 21h30 e a informação terá apenas sido conhecida pelas autoridades perto das 22h, hora a que o primeiro-ministro é informado pelo secretário de Estado da Administração Interna, Jorge Gomes. Na resposta de Costa ao Parlamento é indicado o registo de uma morte às 21h20. Só às 23h30 Jorge Gomes confirma nas televisões que há mortes.

Nas respostas de António Costa ao Parlamento é dito ainda que a EN236-1 só foi fechada às 22h15, uma vez que a GNR não tinha recebido “qualquer informação que alertasse para uma situação de risco, potencial ou efectivo, em circular pela via em causa”.

Além disso, Costa diz que ainda não é possível saber se houve vítimas que resultaram do encaminhamento da GNR para a estrada nacional 236-1. Do rastreio feito pelo PÚBLICO, cruzando relatos e informações de várias fontes, foi possível identificar o trajecto e o sítio onde morreram 51 das 64 vítimas e nenhuma terá feito o caminho indicado pela GNR.

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