O parceiro que já não é

Os americanos já não são confiáveis no cenário global e são um adversário para o resto do mundo civilizado. Será preciso tratá-los como tal.

Angela Merkel já tinha avisado, quando alertou para a falta de fiabilidade dos parceiros tradicionais. Agora, a Administração Trump prepara-se para retirar os EUA do Acordo de Paris, ferindo com gravidade aquele que era o maior passo para limitar as emissões de carbono sobre o planeta — e dar razão à chanceler alemã.

A medida é duplamente idiota, porque é baseada num negacionismo científico bacoco e porque presume que o uso indiscriminado do carvão permitirá aos Estados Unidos reverter os efeitos da economia globalizada. É certo que dará uma vantagem competitiva a curto prazo, especialmente na manutenção de empregos que se perderiam nas zonas que mais votos deram a Trump, mas a médio prazo será inútil.

Mesmo que a retirada americana venha a ser feita com alíneas que mitiguem as consequências, será importante agir depressa para que o Acordo de Paris não morra. Os 48 países que ainda não o ratificaram terão muito menos razões e incentivos para o fazer; os que já ratificaram têm fortes razões para duvidar da sua eficácia; e os que já assumiram o seu compromisso devem estar a pensar em formas de o contornar, para que este não seja uma desvantagem comercial. Sob especial atenção estão a Índia, o Brasil, a Indonésia e a África do Sul, países em desenvolvimento acelerado com economias poderosas mas ainda instáveis, que confiam nas indústrias mais poluentes para crescer. A maior ironia é que o principal papel dos EUA no acordo era precisamente a insistência na verificação do cumprimento por todos os países, tarefa que fica agora muito mais dificultada.

Há dois passos a tomar. O primeiro é impedir que o Acordo de Paris seja rasgado, o que só pode ser conseguido com um compromisso ainda mais forte das Nações Unidas, da União Europeia e da China. O segundo é responder aos Estados Unidos com agressividade e usar a única linguagem que a Administração Trump percebe: a negociação comercial agressiva. Isso implicará taxar mais os produtos americanos, limitar as ambições monopolistas das empresas americanas e negociar de forma mais dura todo e qualquer acordo global que implique os EUA. Claro que para isso será preciso depender menos de Washington, tarefa que o senhor Trump vai tornando mais fácil a cada dia que passa — como bem se viu na cimeira da NATO na semana passada.

Se ainda restarem dúvidas, será a saída do Acordo de Paris a dissipá-las: os americanos já não são confiáveis no cenário global e são um adversário para o resto do mundo civilizado. Será preciso tratá-los como tal.

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