No auge da tensão com Pyongyang sul-coreanos escolhem novo Presidente

O favorito para suceder à Park Geun-hye aposta numa política de diálogo e apaziguamento com a Coreia do Norte. China e EUA estão especialmente atentos.

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É entre os mais jovens, tradicionalmente mais apáticos em relação à política, que o desejo de mudança é maior Kim Hong-Ji/Reuters

Os sul-coreanos escolhem esta terça-feira um novo Presidente que vai definir o futuro das relações na península coreana, que tem sido palco de tensão elevada – e muitas ameaças de guerra.

À frente das sondagens há vários meses está o liberal Moon Jae-in, um veterano da política sul-coreana e ex-candidato presidencial. A sua vitória deverá significar uma mudança profunda na estratégia para lidar com a Coreia do Norte em relação à anterior administração. Moon era muito próximo do antigo Presidente Roh Moo-hyun, que aplicou uma política de apaziguamento nas relações com o Norte – conhecida como “sunshine policy”.

Por trás desta estratégia está a convicção de que a segurança da Coreia do Sul depende de um entendimento diplomático com Pyongyang, e não de uma política dura. Moon foi muito crítico da abordagem da sua antecessora, Park Geun-hye, que cortou o diálogo com a Coreia do Norte, apoiou a aplicação de fortes sanções contra o regime de Kim Jong-un e intensificou a cooperação militar com os EUA. Para o candidato liberal, o resultado desta linha mede-se pelo número de ensaios nucleares e balísticos que a Coreia do Norte tem realizado nos últimos anos e no agravamento da tensão na península.

O candidato que aparece mais próximo de Moon é o centrista Ahn Cheol-soo, que tem recebido o apoio de muitos conservadores, órfãos de um líder incontestado na ressaca do impeachment de Park. As sondagens, porém, não lhe dão mais de 20% das intenções de voto, face aos 43% recolhidos por Moon.

Moon “é apoiado por pessoas que defendem que o Sul deve ir até Pyongyang e trabalhar activamente para melhorar as relações inter-coreanas”, explica o professor da Universidade de Yonsei em Seul, John Delury, citado pela BBC. Ressuscitar a “sunshine policy” tal como existia há uma década seria, no entanto, muito difícil no contexto actual. Um dos principais pontos desta estratégia assentava nas parcerias económicas. O grande exemplo era o Complexo Industrial de Kaesong, inaugurado em 2004 na Coreia do Norte. Mais de cem empresas sul-coreanas abriram fábricas e empregaram norte-coreanos – para as empresas, o grande incentivo eram os salários baixos, que ainda assim eram elevados para os padrões da Coreia do Norte.

Em Fevereiro do ano passado, a iniciativa foi abandonada definitivamente como retaliação pelo lançamento de um míssil pela Coreia do Norte. Para os conservadores, Kaesong era apenas uma forma encapotada de o regime de Kim conseguir financiar o seu programa nuclear – os salários eram pagos ao Estado, e não directamente aos trabalhadores.

Tendo em conta o actual regime de sanções aprovado pela ONU contra a Coreia do Norte, não é provável que Moon tente reactivar Kaesong, caso seja eleito. O grande objectivo deste liberal, filho de refugiados norte-coreanos, é recuperar a iniciativa no diálogo com Pyongyang, mas com o cuidado de não afastar os EUA, os principais garantes da segurança da Coreia do Sul desde a Guerra da Coreia.

“Queremos estar no lugar do condutor, e isso significa conduzir [negociações] de forma activa com os Estados Unidos e com Pyongyang”, disse à Reuters o conselheiro de Moon para a política externa, Jong Kun Choi. Um dos assuntos mais sensíveis que aguardam o próximo líder sul-coreano é o sistema antimíssil norte-americano, conhecido como THAAD. Na semana passada, o Pentágono decidiu acelerar a fase inicial de instalação, numa tentativa de antecipar eventuais recuos do novo Presidente.

Durante a campanha, Moon defendeu a suspensão da instalação do THAAD que, para além de ter a oposição dos habitantes do local onde vai ser construído, é visto com muito maus olhos pela China. Pequim considera que o sistema antimíssil pode vir a ser usado como forma de espionagem e tem pressionado Seul para o cancelar – alguns produtos sul-coreanos têm sido impedidos de entrar no mercado chinês e várias lojas do grupo Lotte na China foram fechadas.

O trauma de Park

Na mente dos 42 milhões de eleitores sul-coreanos está o traumático processo que culminou com a destituição de Park, envolvida num escândalo de corrupção. Num país onde os interesses económicos e políticos mantêm uma relação demasiado íntima, Park tornou-se na primeira Presidente a ser destituída e pode mesmo ser condenada a 10 anos de prisão.

A crise desencadeada pelas acusações de que a Presidente terá agido em conluio com uma amiga de infância para extorquir dinheiro a vários empresários parece ter acordado politicamente os sul-coreanos. Durante vários fins-de-semana consecutivos, milhões de pessoas encheram avenidas inteiras de Seul para pedirem a demissão de Park.

Essa mobilização parece ter continuidade nas urnas de voto. Mais de dez milhões já votaram através do voto antecipado, segundo o Financial Times, e as sondagens indicam que as eleições desta terça-feira vão registar uma participação histórica. É entre os mais jovens – tradicionalmente mais apáticos em relação à política – que o desejo de mudança é maior. Mais de 90% dos eleitores entre os 19 e os 29 anos dizem que vão votar, de acordo com uma sondagem Gallup, citada pela Reuters.

“Estamos agora bem cientes de como é importante escolher o líder certo, uma vez que já sabemos o que acontece quando escolhemos a pessoa errada para o lugar mais elevado”, disse à agência estatal Yonhap o estudante Jung Su-jin, de 24 anos.

São eleitores como Jung que podem decidir as eleições a favor de Moon, esperando que ele seja uma antítese de Park. A sua história pessoal indica que podem estar certos. Nos anos 1970, Moon chegou a ser preso por ter participado em protestos estudantis contra a ditadura liderada por Park Chung-hee, pai da ex-Presidente, contra quem perdeu as eleições presidenciais de 2012.

Moon prometeu apertar as regras de funcionamento dos chaebol, os grandes conglomerados empresariais que mantêm relações muito próximas com o poder político. O candidato diz ainda que, se for eleito, não vai morar na Casa Azul, a residência oficial do Presidente.

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