Clima limpo com nuvens associadas

A previsão de um futuro limpo para o clima em Portugal tem muitas nuvens associadas.

Há pouco mais de um mês, o primeiro-ministro foi à conferência do clima em Marraquexe, dizer que, em 2050, o país será neutro em emissões de gases com efeito de estufa, ou mais facilmente, em emissões de carbono. A promessa é a de que, até essa altura, vamos ser capazes de fazer sumir xis toneladas de carbono da atmosfera, por outras tantas emitidas, especialmente através da floresta. Será, desde logo, necessário emitir cada vez menos, o que obriga ao recurso da energia renovável. Os ambientalistas aplaudiram a ideia, acreditando, portanto, que tal será possível.

Com 34 anos ainda pela frente até chegarmos a 2050, a história que contamos nesta edição leva-nos a questionar se isso será mesmo possível. Entrando no terreno movediço do corte das rendas de energia, o que se afigura com a portaria do Governo que quer cortar 140 milhões de euros de “valores recebidos em excesso” pelos produtores de energia renovável difere dos últimos exemplos: desta vez, não foi ouvido o sector, tentou-se que uma portaria revogasse decretos-lei, criou-se uma medida retroactiva a 10 anos, e é condenada uma prática que não só era legal como incentivada pela política nacional e europeia.

Estão em causa os investimentos em energias renováveis feitos no período do segundo e terceiro programas comunitários de apoio, entre 1994 e 2006, com quadros legais do tempo do Governo de António Guterres. Neste período, a lei nacional oferecia tarifas garantidas e os regulamentos europeus concediam apoios ao investimento elegível. O último projecto a que se aplicará a medida do governo actual será, assim, de 31 de Dezembro de 2006. Usando os dois mecanismos, as despesas dos investidores foram vistas, auditadas, aprovadas e fechadas por um batalhão de olhos: revisores independentes, IAPMEI, Governo e Bruxelas.

Parece que sucessivos governos e administrações do passado andaram distraídos. Tão distraídos que será necessário explicar como é que o Estado se vai revogar a si próprio. Através da EDP, foi ao longo dos anos o principal vendedor de investimentos em energia renovável. A China Three Gorges comprou a participação na EDP com uma valorização destes activos baseada numa receita e numa rentabilidade do investimento acertada por esse quadro legal. É o mesmo que dizer que o investidor que em 2026 tiver na mão um projecto de energia renovável terá de pagar por uma lei de 2016 que estava bem feita para o seu tempo mas já não dá jeito. A previsão de um futuro limpo para o clima em Portugal tem muitas nuvens associadas.

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