Coreia do Norte: como sobrevive a economia mais isolada do planeta?

O país não tem acesso à generalidade dos mercados internacionais, mas consegue suportar um programa nuclear de milhões de dólares. A resposta está numa rede de restaurantes e no seu exército de hackers.

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Um restaurante na Coreia do Norte Damir Sagolj /Reuters

Há uma década que a Coreia do Norte é alvo de pacotes de sanções económicas cada vez mais abrangentes – vão do armamento ao combustível para a aviação, passando pelos bens de luxo. Com estas medidas, aquele que já era um dos países mais isolados do mundo foi atirado para outro planeta. Mas o regime adaptou-se à sua realidade económica alternativa através de uma combinação bizarra que envolve uma cadeia de restaurantes estatais no estrangeiro, um exército de piratas informáticos e uma rede obscura de parcerias com fundos de investimento pouco recomendáveis.

Em Fevereiro, o Conselho de Segurança das Nações Unidas chegou a acordo para aplicar o pacote de sanções mais severo dos últimos anos à Coreia do Norte, que passa a incluir o fornecimento de combustível para a aviação. A medida, que contou com o importante apoio da China, o mais relevante aliado do regime de Pyongyang, surgiu como resposta a um ensaio nuclear – o primeiro que envolveu a detonação de uma bomba de hidrogénio. Seis meses depois, no entanto, o mundo voltava a acordar com um novo teste nuclear, o mais poderoso na História norte-coreana. Já no início deste mês, o Conselho de Segurança aplicou novas sanções, desta vez tendo como alvo as exportações de carvão.

A informação é um bem raro na Coreia do Norte. Desde os anos 1960 que não são publicadas estatísticas oficiais pelo Governo e o máximo que os especialistas conseguem discernir baseia-se em informações obtidas pelos serviços secretos sul-coreanos – conhecidos por amplificarem as ameaças. De qualquer forma, o cenário é o de um colapso quase completo.

O PIB per capita é de cerca de 1800 dólares, um dos mais baixos do mundo, de acordo com o CIA World Factbook, que se baseia em projecções a partir de um estudo da OCDE de 1999. Os cálculos da ONU atiram a riqueza dos cidadãos para um valor ainda mais baixo, de 506 dólares, o que faria dos norte-coreanos uns dos cidadãos mais pobres do planeta, apenas ultrapassados pelos somalis.

Em termos práticos, isto significa que grande parte da população não tem sequer o mínimo suficiente para ter uma alimentação razoável. A dieta média dos norte-coreanos é 30% menor do que as 2100 calorias diárias recomendadas pelo Programa Alimentar Mundial da ONU. Nos anos 1990, o colapso da União Soviético, associado a más colheitas e a uma gestão altamente centralizada da economia, que impedia a canalização eficiente dos recursos, provocaram uma tempestade perfeita. Entre 1994 e 1998, o país passou por uma grave crise alimentar, que terá causado a morte a milhões de pessoas.

A esmagadora maioria dos norte-coreanos consegue subsistir graças a uma economia paralela florescente. Cerca de dois terços da população activa não tem acesso ao sistema estatal de distribuição de bens – através do qual são distrubuídos os produtos básicos à população, de acordo com o seu estatuto hierárquico na sociedade. Esse sistema, que funcionou até aos anos 1990, permitia, por exemplo, que, por uma pequena parte do salário, um funcionário de escalão médio recebesse 20 kg de arroz branco, quatro de porco e cinco de peixe todos os meses, explica o especialista da Universidade Kookmin de Seul (Coreia do Sul), Andrei Lankov. Privados deste sistema, a maioria dos norte-coreanos tentou adaptar-se. "Podem estar empregados em oficinas ilegais, onde produzem sapatos e roupas. Podem gerir as suas próprias bancas de comida ou lojas de reparações. Para estas pessoas, os salários oficiais são largamente ou totalmente irrelevantes", escreve Lankov no site NK Daily News.

Porém, a Coreia do Norte tem sido capaz de sustentar um programa nuclear que custa anualmente cerca 660 milhões de euros, de acordo com cálculos de 2011 da Global Zero, um grupo que defende a não-proliferação nuclear. Os serviços secretos sul-coreanos estimam que os gastos possam ser superiores a mil milhões de euros.

O segredo está na cozinha

Para o Governo norte-coreano, o acesso a moeda estrangeira é vital. O won desvalorizou tanto nos últimos anos que é hoje equivalente a "papel higiénico", disse à CNN Jang Jin-sung, editor do site New Focus International, que publica notícias com contribuições de uma rede de dissidentes norte-coreanos e de fontes no país. O problema parece insolúvel: como é que o país mais isolado do mundo tem acesso a moeda estrangeira?

A liderança norte-coreana encontrou várias soluções, que variam no grau de originalidade e ilegalidade. Uma das mais bizarras envolve uma rede de restaurantes de comida coreana espalhada por vários países asiáticos a partir dos anos 1990. Através de uma empresa pública, o Estado gere mais de cem restaurantes em cidades como Pequim, Jacarta ou Phnom Penh, quase todos com o nome pouco original de "Pyongyang". Chegou a ser aberto um em Amesterdão, mas foi obrigado a fechar devido a denúncias sobre as condições dos trabalhadores.

O trabalho num destes restaurantes é considerado um bom emprego em comparação com a média na Coreia do Norte. Segundo o jornalista sueco Bertil Lintner, as empregadas destes restaurantes são escolhidas entre as famílias mais poderosas do país e devem passar testes de fidelidade ao regime. Apesar dos testes, 13 pessoas que, de acordo com a imprensa sul-coreana, trabalhavam num restaurante "Pyongyang", desertaram em Abril.

O objectivo é atrair sobretudo a diáspora sul-coreana espalhada pela Ásia, bem como viajantes curiosos que não tremem ao ver um prato de carne de cão. Porém, o Governo de Seul tem multiplicado as recomendações para que os cidadãos evitem os restaurantes da rede para não apoiar o regime do Norte. Cálculos do jornal sul-coreano Chosun apontam para que a rede de restaurantes renda cerca de 280 mil euros por ano.

Outra das fontes de rendimento encontradas pelo líder Kim Jong-un para manter o seu programa nuclear é mais preocupante. A Coreia do Norte tem ao seu serviço um exército de cerca de 6800 piratas informáticos concentrados sobretudo em operar esquemas de jogo online e obter ficheiros encriptados para depois os vender. Segundo o director do think tank Instituto Coreano da Democracia Liberal, Yu Dong-yeol, as actividades desta unidade rendem mais de 800 milhões de euros todos os anos para os cofres norte-coreanos. O general do Exército norte-americano responsável pelas forças na Coreia do Sul, Vincent Brooks, disse em Maio que a unidade ciber-militar norte-coreana está "entre os melhores do mundo". Os serviços secretos norte-americanos consideram que foram hackers ligados à liderança norte-coreana os responsáveis pelo ataque aos servidores da Sony, que em 2014 expuseram emails sensíveis de produtores e actores, nas vésperas da estreia de um filme que ridicularizava o regime de Pyongyang.

O Gabinete 39

Para "comprar" a lealdade da elite que o rodeava, o anterior líder, Kim Jong-il, estabeleceu nos anos 1970 um fundo secreto conhecido como "Gabinete 39", que há vários anos é alvo de investigações. O Departamento do Tesouro dos EUA define-o desta forma: "O Gabinete 39 é um ramo secreto do Governo da Coreia do Norte envolvido em actividades económicas ilícitas, gere um saco azul e gera rendimentos para a liderança." Sem dados precisos torna-se muito difícil saber quanto vale este fundo, mas especialistas norte-americanos dizem que pode render cerca de dois mil milhões de dólares por ano.

Parte da sua acção é gerir os negócios de um grupo estatal chamado Daesong, que inclui, entre outras actividades, um banco e empresas de venda de metais e pedras preciosas. Um ex-funcionário que fugiu recentemente contou ao Wall Street Journal que fazia parte de uma empresa que comercializava ouro contrabandeado para a China.

Mais recentemente, um dos sectores que passou a entrar nas contas do Gabinete 39 foram as Forças Armadas. "Nos anos 1990, o pai de Kim Jong-un prometeu aos militares um acesso extraordinário à política e ao orçamento, a troco, segundo a maioria dos analistas, de não derrubarem o regime após o fim da Guerra Fria", escreve o professor da Universidade de Pusan, Robert Kelly, no seu blogue.

A política de sanções contra a Coreia do Norte seguida pelos Estados Unidos e pela União Europeia é vista cada vez mais como um beco sem saída – a liderança consegue escapar enquanto o peso das privações é suportado pela população. Recentemente, o director dos serviços nacionais de informação dos EUA, James Clapper, declarou a desnuclearização da Coreia do Norte como "uma causa perdida". A convicção no círculo próximo de Kim é a de que o desenvolvimento nuclear é a única forma de impedir uma mudança de regime forçada pelo Ocidente e, portanto, será algo de que dificilmente abdicará.

Ao mesmo tempo, explica na Foreign Policy o especialista da Universidade de Georgetown, William Brown, o regime aprendeu a viver e a sobreviver num clima de isolamento. "As sanções não têm grande impacto numa economia que está efectivamente em bancarrota há uma geração e que há muito já perdeu os seus mais importantes apoiantes."

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