O Governo Temer tem futuro? E o Brasil, tem futuro com Temer?

A ordem em Brasília é para salvar o Presidente e aguentar o seu Governo até às eleições de 2018. Mas as frentes de crise são demasiadas - e a pressão da rua pode explodir a qualquer momento.

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Protesto de estudantes contra o Governo em Brasília, no início da semana ANDRESSA ANHOLETE/AFP

Em pouco mais de quatro meses, o Presidente do Brasil, Michel Temer, viu a taxa de aprovação do seu desempenho cair para perto do nível da sua antecessora Dilma Rousseff, quando foi afastada do Palácio do Planalto, na sequência de um polémico processo de destituição concluído no final de Agosto. Acossado por acusações de corrupção, constrangido pela pressão e os humores dos aliados no Congresso, e sobre brasas por causa de reformas fortemente impopulares, o Presidente do Brasil, Michel Temer, tenta aguentar-se e ao seu Governo até ao fim do mandato: resistirá?

Dilma deixou o poder com 63% de reprovação, segundo os dados do instituto de pesquisas Datafolha. No último inquérito, divulgado esta semana, Michel Temer foi avaliado como “mau ou péssimo” por 51% dos brasileiros, com apenas 10% dos inquiridos a considerar a sua gestão como “boa ou óptima”. Pior para o Presidente, que foi atacado como “golpista” ao longo do processo de destituição, é a opinião, partilhada por 40% dos eleitores, de que o seu Governo é pior do que o que Dilma.

De acordo com o mesmo instituto Datafolha, uma maioria de 63% dos brasileiros defende a renúncia de Temer antes do fim do ano, para possibilitar uma nova votação presidencial que legitime o Governo e lhe dê um mandato político claro. Esse é um cenário que quase todos os comentadores e analistas consideram irrealista – a ordem, em Brasília, é para segurar o Presidente a todo o custo até as eleições de 2018.

“O movimento para salvar Michel Temer anda frenético. Não importa o que sobre do seu Governo”, escrevia esta quinta-feira na Folha de São Paulo o colunista Vinicius Torres Freire, referindo-se às operações e manobras políticas que se seguiram à explosiva delação de Cláudio Melo Filho, o ex-vice presidente de relações Institucionais da construtora Odebrecht e que decidiu colaborar com a Justiça em troca de uma diminuição de pena.

No seu depoimento à Procuradoria-geral da República, completo com centenas de documentos, o director arrependido denunciou o Presidente, uma boa parte do seu Governo e alguns dos nomes mais poderosos do Congresso como participantes e beneficiários do esquema de corrupção, pagamento de subornos e tráfico de influências em torno da petrolífera estatal Petrobras. No total, são citados 51 políticos de 11 partidos – mais uma vez, o nome de Dilma Rousseff não aparece.

Além das suspeições éticas, a imagem do Presidente sofre com problemas políticos, resultantes das suas opções governativas. Ou então, como escrevia a BBC, “ao custo jurídico (comprovada a irregularidade, o Presidente perderia o cargo), soma-se o custo político, já que o Governo pode não aguentar a pressão das ruas ou a erosão da sua base de apoio no Congresso”.

As manifestações regressaram em força e multiplicam-se em várias cidades brasileiras. No Rio de Janeiro, milhares de funcionários públicos marcharam contra o pacote de austeridade e as medidas anti-crise. Em São Paulo, uma concentração marcada para a frente do FIESP, o poderoso lobby dos empresários e industriais, terminou em violência.

A proposta de emenda constitucional (PEC) 55, também chamada PEC do tecto dos gastos, congela por 20 anos o orçamento da despesa federal. O que quer dizer que a partir de 2018, os investimentos mínimos para áreas fundamentais como a educação e saúde deixarão de crescer proporcionalmente à receita do país – serão apenas corrigidos pela inflação do ano anterior.

A proposta, aprovada no Senado na terça-feira, foi apontada pelo Presidente Michel Temer como a principal medida para a contenção da crise económica do seu Governo. Para várias organizações internacionais, das Nações Unidas ao Banco Mundial, a nova legislação é um “desastre” e um “retrocesso”, que terá um impacte negativo em termos de desenvolvimento do país e prejudicará seriamente as gerações futuras.

Outra reforma polémica, e que também implica mudanças constitucionais, é a PEC da Previdência, que prevê mudanças drásticas no sistema de segurança social. Uma das mais controversas – e que à boa maneira brasileira deu origem a deliciosas rábulas humorísticas – tem a ver com a contagem dos anos para obtenção da reforma integral, que de acordo com o novo plano só estará disponível após 49 anos de contribuições. Assim, só se conseguirá a reforma com a idade mínima de 65 anos, e receber o subsídio completo quem tiver iniciado a carreira contributiva aos 16 anos de idade. De fora das novas regras ficam os militares e os juízes, que mantêm um estatuto privilegiado – mais um factor de descontentamento popular.

Por isso, a tarefa, assumida pelo PMDB e apoiada pelo PSDB, de conduzir este Governo até ao fim não se afigura fácil. O equilíbrio precário que instalou Temer no poder pode ser desfeito a qualquer momento: há demasiada instabilidade e muitas frentes de crise – política, institucional, económica e social. Uma série de acontecimentos, que não sendo imprevistos são imprevisíveis, poderá fazer rebentar a pressão: o desempenho negativo da economia e o impacto das revelações das investigações anti-corrupção são, neste momento, as ameaças mais sérias à sobrevivência de Temer.

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