Monarquia ou República, questão secundária ?

Qualquer regime político tem por obrigação e por finalidade tornar o seu povo feliz, seguro, próspero, culto, moderno e competitivo, com serviços sociais de qualidade e com uma boa qualidade de vida.

Há dias, um grupo de deputados evidenciou falta de educação e de sentido de Estado numa receção protocolar no parlamento ao Rei de Espanha. Com essa atitude envergonhou Portugal, ofendeu o povo espanhol que democraticamente defende a sua monarquia, agrediu a democracia espanhola e, tratando desta forma quem tem ideias diferentes, revelou uma cultura de intolerância e xenofobia.

Numa opção entre República e Monarquia eu também centro a minha preferência na República. Mas sem demagogias fundamentalistas. Talvez em pleno século XXI se tenha tornado menos essencial esta questão. Em geral, as monarquias europeias sobreviventes mudaram perante os primitivismos do passado e, impressionantemente, elevaram-se aos topos mundiais daquilo que mais interessa - a qualidade da vida dos seus cidadãos.

A nossa Monarquia produziu, ao longo dos séculos, os maiores feitos da nação portuguesa, designadamente as explorações marítimas que mesmo dentro de muitos séculos constarão da história mundial como momentos angulares não só de Portugal como também da humanidade. O facto de sermos predominantemente republicanos não deve tornar-nos acéfalos ou fundamentalistas perante as realidades passadas e atuais, relacionadas quer com a República quer com a Monarquia.

É verdade que o final do nosso período monárquico foi decrépito, medíocre e obstaculizador da modernização do país. É também verdade que o início da República foi sequestrado por políticos que adoravam a narcisista vaidade de discursos pomposos, enquanto disputavam entre eles o poder e as respetivas benesses.

A população era largamente analfabeta e os analfabetos foram proibidos pela República de votar, assim se restringindo a participação política a uma escassa minoria dirigista. Escandalosamente, as mulheres foram proibidas de votar (curiosamente, seria o Estado Novo que lhes daria esse direito). Essa República pouco teve de democrático e foi essencialmente uma oligarquia controlada por uma minoria.

Essa cultura política republicana revelou uma profunda intolerância religiosa, uma postura que qualquer sociedade contemporânea condena. O ódio com que essa classe política roubou (lamento, mas é o termo apropriado) o património da Igreja Católica foi revelador da sua intolerância religiosa. Uma minoria “reinante” entendeu ter o direito de impor aos portugueses como pensar e como sentir.

O que se registou não foi apenas uma tentativa para separar a Igreja do Estado, foi uma ação para arrasar a presença da Igreja. Num país que era fortemente católico, foi uma postura antidemocrática e ditatorial, por parte dessa classe política. É indiferente o facto de eu poder ser budista, católico, protestante, hindu ou ateu. Sou democrata e tolerante e não posso subscrever nem elogiar muito daquilo que, à sombra do início da república, foi feito em Portugal. A presente República é bem mais madura, embora ainda repleta de disfunções.

Como o facto de eu ser republicano não me limita a racionalidade, devo olhar também a Monarquia sem simplismos de rejeição. Atualmente, faz pouco sentido associar instintivamente a monarquia a uma imagem de atraso e a república a uma imagem de modernidade. O brilho realizador e desbravador da história de Portugal foi produzido na Monarquia, não tanto na República. E a situação da Monarquia no mundo atual é também reveladora. O número de monarquias no mundo é atualmente reduzido, mas elas tendem a ocupar uma elevada percentagem dos lugares de topo nos rankings de prosperidade, desenvolvimento, cultura e modernidade.

Ao lançar um olhar sobre a Europa vemos, a Norte, monarquias que são modelos mundialmente quase venerados. Noruega, Suécia, Dinamarca, Reino Unido, Holanda, Luxemburgo, Bélgica, por exemplo. Mas a generalidade desconhece que também a Austrália, a Nova Zelândia e o Canadá são monarquias constitucionais sob a atual rainha Isabel II.

O mundo tem cerca de 200 países mas dos cinco países no topo do Índice de Desenvolvimento Humano, quatro são monarquias. Dos 10 países com maior índice de democraticidade, sete são monarquias. As monarquias ocupam 11 lugares nas 20 economias mais competitivas do mundo e seis lugares nas 10 nações com mais liberdade. Dos 10 povos que mais se consideram felizes, seis têm regimes monárquicos. Na Europa, os trabalhadores da monárquica Espanha auferem uma remuneração média 75% superior à dos portugueses e as restantes monarquias pagam aos seus cidadãos mais do dobro ou mesmo do triplo do que se paga em Portugal.

O que é crucial é a sensatez de perceber que a escolha entre Monarquia e República, apesar de ter substância, não é o fator mais importante. Qualquer regime político tem por obrigação e por finalidade tornar o seu povo feliz, seguro, próspero, culto, moderno e competitivo, com serviços sociais de qualidade e com uma boa qualidade de vida. Essa (não o ego dos políticos) é a razão de ser da própria política. Como republicano, sem fundamentalismos devo reconhecer que a República portuguesa tem muito a aprender com as monarquias europeias. Incluindo a maturidade na política.

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