“Seria um erro muito grave cada um ficar encolhido no seu canto”

António Correia de Campos, presidente do Conselho Económico e Social, defende que esta janela de oportunidade tem de ser aproveitada para se avançar na concertação social.

Foto
Correia de Campos é presidente do CES desde meados de Outubro Fernando Veludo/NFactos

A reunião com o Presidente da República foi o primeiro acto oficial de António Correia de Campos enquanto presidente do Conselho Económico e Social (CES), lugar que ocupa desde meados de Outubro.

No final do encontro, marcado por Marcelo Rebelo de Sousa para avaliar a possibilidade de um acordo de concertação social de médio prazo, Correia de Campos destacou a importância da iniciativa no actual contexto e desafiou os parceiros sociais a encararem o futuro "com mais convicção”.

O presidente do CES defende que é preciso “aproveitar esta janela de oportunidade” para incluir na discussão questões como a precariedade, a formação profissional ou as desigualdades retributivas, que vão para lá da questão do salário mínimo. Reconhecendo a dificuldade de se alcançarem acordos duradouros, defendeu que isso não deve ser motivo para o imobilismo e que as soluções de médio e longo prazo podem ser alcançadas através de pequenos acordos. “Seria um erro muito grave cada um ficar encolhido no seu canto à espera que o outro dê o primeiro passo”, alertou.

Como vê a iniciativa do Presidente da República na promoção do diálogo social?
Não tenho que comentar as iniciativas do senhor Presidente da República, tenho apenas que agradecer aquelas que são extremamente positivas e que têm a ver com a função que desempenho e esta é uma delas. O Presidente tem ajudado a descomprimir a sociedade portuguesa e isso começa a ser visível. Essa descompressão é também um momento para enfrentarmos a crise actual de um modo um pouco mais positivo e assertivo.

A nossa crise não está ainda solucionada. Temos indicadores muito favoráveis de criação de emprego, mas pensamos que está a ser criado muito emprego de baixa qualificação, de baixa retribuição e precário. Por outro lado, a criação de emprego mais positiva não está a ter a correspondente melhoria do produto. Temos um comportamento nas exportações muito positivo e estimulámos o consumo interno de forma selectiva, mas uma parte desse consumo está a ir para bens importados. Com estes exemplos, quero sublinhar que cada medida tem o seu efeito directo e tem efeitos indirectos.

Estamos no caminho da recuperação, mas a crise está longe de estar ultrapassada, sobretudo porque ela depende de factores exógenos muito fortes. Estamos num momento em que é preciso olhar para o futuro com mais convicção, com mais força.

Nessa necessidade de olhar para o futuro, o diálogo social consequente tem um papel importante?
O diálogo social é absolutamente essencial. Mas ele não pode assentar apenas numa negociação sobre retribuições, sobre salários. Há tanta outra coisa que é importante, desde a precariedade, a formação profissional, as desigualdades retributivas. Essas questões ganham em ser resolvidas conjuntamente.

A ideia que o Presidente tem defendido de um acordo de mais lato senso, incluindo não apenas a questão salarial, mas outras, é uma ideia que faz sentido. Infelizmente todos sabemos que somos pouco atreitos a firmar entendimentos que sejam muito duradouros. Qualquer abanão externo ou interno nos leva a duvidar e a pôr em causa o que acordámos conjuntamente. Por isso, a política dos pequenos passos, que ajudem a aproveitar o ambiente actual, é essencial.

No contexto actual vê mais facilmente pequenos acordos do que um acordo mais vasto?
Não punha a coisa assim. Os acordos mais vastos fazem parte da nossa ambição, mas os acordos mais vastos conseguem-se com pequenos acordos. Não vamos afastar a ambição mais vasta a favor do imediatismo. Vamos manter a ambição mais vasta, mas atacando as questões uma a uma, de imediato.

As confederações patronais queixam-se da perda de importância da concertação social. Preocupa-o esta visão de partida?
Não domino ainda a informação suficiente para lhe dizer se a temperatura que facilita acordos é mais elevada ou mais reduzida do que a temperatura do passado. Não estou ainda em condições [de avaliar], mas espero vir a estar. O que sei dizer é que não me parece acertado que haja acordos por trás dos bastidores e que se ponha entre parêntesis a concertação social. Em segundo lugar, parece-me que tudo isso deve ser discutido no contexto do Conselho Económico e Social na concertação social. Aí, a minha função é ser facilitador do diálogo tripartido.

No final da reunião com o Presidente da República, destacou a importância do diálogo social no actual contexto internacional. O que é que quis dizer com isso?
O contexto internacional, se nos formos a ter a ele, dá-nos para ficarmos parados, porque é profundamente negativo e profundamente incerto. Não sabemos o que aí vem de fora da Europa e não sabemos até que ponto o Brexit pode vir a dar lugar a outras saídas unilaterais [da União Europeia]. Para não falar da instabilidade geopolítica. Temos de aproveitar esta janela de oportunidade que existe agora, que permite ter um governo estável que venha a tomar essas iniciativas [de diálogo social] e ter um Presidente da República que as patrocina e que as impulsiona, para dar passos e avançar na concertação. Seria um erro muito grave cada um ficar encolhido no seu canto à espera que o outro dê o primeiro passo.

Sugerir correcção
Comentar