UE quer controlar viajantes para lutar contra o terrorismo

Organizações de defesa dos direitos civis criticam deriva securitária em França e na Bélgica, que endureceram leis para investigar e tentar evitar atentados.

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O controlo dos passageiros nos aeroportos tornou-se cada vez mais apertado PASCAL GUYOT/AFP

Ao nível da União Europeia, o receio de atentados, potenciado pela crise dos refugiados, desencadeou uma torrente legislativa — mas poucas directivas entraram ainda em vigor. França, o país europeu que sofreu mais atentados de radicais islâmicos, desde que uma célula espalhou o terror em Paris, em Janeiro de 2015, atacando o semanário satírico Charlie Hebdo, foi a primeira a reagir, ao aprovar uma lei de vigilância das comunicações electrónicas semelhante ao Patriot Act norte-americano, criado após os atentados do 11 de Setembro.

Há um ano que França vive em estado de emergência, desde os ataques de 13 de Novembro em Paris. Os cidadãos franceses têm sentido, na primeira pessoa, como é ser alvo preferencial de atentados e também o preço a pagar por ser protegido pelo Estado — que tem sempre implicado uma deriva securitária. Acções policiais permanentes, buscas, detenções, vigilância das comunicações, repressão policial.

A Bélgica, que a 22 de Março de 2016 viveu a experiência traumatizante de ataques à bomba no aeroporto e no Metro, reivindicados pelo Estado Islâmico, que mataram 32 pessoas e feriram 250, também apertou a sua legislação. A investigação concluiu que foi coordenado a partir da Síria, pela mesma célula do Estado Islâmico que desencadeou os atentados de Novembro em Paris.

No entanto, a Human Rights Watch denunciava, já este mês, “as problemáticas leis antiterrorismo” com que os dois países avançaram, e a forma dura, não menos preocupante, como foram executadas várias das operações policiais da investigação de ambos os atentados. Prisioneiros colocados em isolamento prolongado, vigilância de comunicações sem mandato judicial, ou a possibilidade de revogar a cidadania são alguns desses abusos, no caso da Bélgica, acusa a organização de defesa dos direitos humanos.

Este tipo de preocupações anda de mão em mão com as tentativas de legislar para prevenir o terrorismo. Estão em processo de aprovação nas instituições europeias novas leis com o objectivo de controlar os movimentos dos passageiros e identificar de forma mais eficaz quem cruza as fronteiras na Europa, trocando essa informação de forma rápida entre as agências de segurança dos vários Estados-membros — o que agora muitas vezes não acontece.

“As propostas legislativas que actualmente estão em discussão no Parlamento Europeu [PE] visam reduzir o campo de acção dos terroristas, permitindo punir de forma mais severa quem os financia, quem os treina e aqueles que viajam para as zonas onde há guerra”, disse recentemente ao Le Monde Julian King, o comissário europeu britânico com a pasta da Segurança.

Esse pacote legislativo, no entanto, apresentado em Dezembro de 2015, menos de um mês após os atentados de Novembro em Paris, foi criticado por muitas organizações de defesa dos direitos civis e dos direitos humanos, por causa do impacto que poderá ter sobre direitos fundamentais dos cidadãos. O diploma está em negociação no PE neste momento.

Uma das preocupações actuais é o efeito da ofensiva contra o Estado Islâmico em Mossul (Iraque) e também em Raqqa (Síria). Estima-se que haja 2500 combatentes europeus na zona de Mossul, e muitos mais em Raqqa, e muitos podem querer voltar à Europa — e fazer atentados terroristas ao regressarem a casa. “É altamente provável que o EI tenha enviado combatentes de volta para os seus países, antecipando a possível perda do califado”, comentou à BBC Gilles de Kerchove, o coordenador da UE para a luta antiterrorismo.

Passageiros controlados

Por isso, a UE pretende investir em medidas para o maior controlo das fronteiras e dos passageiros aéreos. Em Abril, ao fim de cinco anos de debate, avanços e recuos, o Parlamento Europeu aprovou um novo sistema de recolha e análise dos dados pessoais dos passageiros que embarquem em voos comerciais de entrada ou saída do espaço da União Europeia: o novo registo de identificação de passageiros aéreos ou PNR (acrónimo de Passenger Name Record, em inglês).

No prazo máximo de dois anos terá de estar inscrito na lei de todos os Estados-membros menos a Dinamarca, que escolheu ficar fora do sistema. “É preciso criar as infra-estruturas para tratar todas as informações recolhidas, que não existem na maioria dos Estados-membros, e muitos ainda não têm planos para o fazer”, comentou o comissário Julian King, que classificou este passo como uma das suas prioridades.

O polémico sistema PNR tem como modelo e inspiração o que foi desenhado nos Estados Unidos logo após os atentados de 11 de Setembro de 2001. A directiva europeia exige que as transportadoras aéreas com rotas comerciais transmitam aos Estados-membros os dados dos indivíduos que entrem ou saiam da UE, isto é, que tenham como origem ou destino final um país extracomunitário. Mas ficam de fora deste regulamento os voos privados e os charters (aviões fretados).

A Agenda Europeia para a Segurança, que a Comissão Europeia aprovou em Abril, e à qual o Parlamento Europeu tem ainda de dar luz verde, propôs a criação do Sistema de Entrada/Saída (EES) que recolherá informações como a identidade, os documentos de viagem e os dados biométricos dos passageiros Schengen e registará as entradas e saídas no ponto de passagem. Será aplicável a todos os nacionais de países terceiros admitidos para estadas de curta duração no espaço Schengen (até 90 dias).

Foi ainda lançada a ideia de criar o Sistema Europeu de Informação e Autorização de Viagem (ETIAS), que permitiria determinar a elegibilidade dos cidadãos de países terceiros isentos da obrigação de visto para viajarem para o espaço Schengen, levando em conta se a viagem representa um risco de segurança ou migração. Este mês, a Comissão Europeia deve apresentar uma proposta legislativa para criação deste sistema, inspirado no ESTA norte-americano.

A Alemanha, que durante o Verão sofreu uma série de alertas terroristas — embora com ataques de pequena escala —, pondera alterações legislativas que permitam uma “melhor monitorização dos criminosos e aumento da segurança”, anunciaram os ministros do Interior, Thomas de Maiziére, e da Justiça, Heiko Maas.

O novo pacote legal, em preparação, deverá incluir a introdução da pulseira electrónica para pessoas anteriormente condenadas por crimes relacionados com terrorismo, o uso de câmaras nos uniformes pelos polícias para protecção dos agentes e punições mais severas para quem atacar um polícia, e alterações à lei de protecção dos dados pessoais, diz a Deutsche Welle.

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