António Costa: demasiado bom para o nosso bem

António Costa nunca teve possibilidade de colocar a sua competência política ao serviço de um programa político competente.

Toda a gente sabe o que penso deste Governo, mas ainda assim há quem ache que sou demasiado generoso para com António Costa. Alguns leitores de direita perguntam-me porque continuo a elogiar as qualidades políticas do primeiro-ministro se acredito que ele está a empurrar o país para um novo desastre. Não será um bom político aquele que governa bem? Infelizmente, a resposta é mais complexa do que isso. É possível que um político muito bom tenha assumido uma posição que só lhe permite governar muito mal. A meu ver, foi o que aconteceu a António Costa no dia em que aceitou ser primeiro-ministro. Daí que este artigo não sirva para o diminuir. Serve, isso sim, para tentar compreender a complexidade do seu dilema.

Reparem que António Costa nunca teve possibilidade de colocar a sua competência política ao serviço de um programa político competente. Com a derrota nas legislativas, ele foi obrigado a escolher: ou o político ficava sem a política, ou a política ficava sem o político. Costa tinha um programa que eu não apelidaria de competente, porque temos divergências ideológicas, mas que era sério e tinha coerência interna. Foi coordenado por Mário Centeno, chamava-se Uma década para Portugal, está datado de Abril de 2015 e serviu de base para o programa de Governo. Só que o programa nunca chegou a ser aplicado. Costa e Centeno perderam tal oportunidade com a derrota nas eleições. Como todos os envolvidos não se cansam de sublinhar a cada orçamento de Estado, aquilo a que temos assistido não é à execução do programa do PS, nem do PCP, nem do Bloco – é à execução do resultado de intensas negociações tripartidas, que têm vindo a criar um Frankenstein austero-expansionista.

Regressemos a 4 de Outubro de 2015, quando António Costa é confrontado com 32% de votos para o PS. Nessa noite surge o mais dramático dos dilemas. Ou António Costa abdica de governar, por em boa consciência não poder aplicar um programa político coerente, ou governa com um programa frankensteiniano, negociado dia a dia, linha a linha. Mas notem: se António Costa abdicasse de governar não seria apenas uma derrota provisória. Seria uma derrota definitiva, a sua certidão de óbito política. Costa nunca mais voltaria a ser candidato a primeiro-ministro. Não depois de quatro anos de troika. Não depois de ter afastado António José Seguro como afastou.

Coloquemo-nos nos seus sapatos. Um homem que desde a adolescência nunca sonhou com outra coisa. Um homem apodado de melhor político da sua geração. Um homem com obra feita em Lisboa. Um homem que aguardara pacientemente a sua vez durante os anos Sócrates e que defenestrou Seguro sem piedade à 25.ª hora. O que faria cada um de nós se estivesse no lugar de António Costa? Abdicávamos da cadeira dos nossos sonhos ou agarrávamos a derradeira oportunidade de nos sentarmos nela – e fosse o que Deus quiser?

António Costa optou pelo que Deus quisesse, e Deus quis aquilo que se previa: um país estagnado e sem estratégia. Só que as suas qualidades estão todas lá. Capacidade negocial. Capacidade de decisão. Sangue frio. Bonomia. Pragmatismo. Um luxo ao serviço de um não-projecto de país. Um luxo inútil, paralisante e dramático. Um luxo que nos empobrece. Eis o que temos: um primeiro-ministro cheio de qualidades autocolocado numa estrada impossível, que com a sua habilidade política agrava a cada dia a situação do país. Sim, António Costa é muito bom. Demasiado bom para o nosso bem.

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