Na Madeira diz-se que o pior já passou, mas a população desconfia

Situação está aparentemente mais calma no Funchal, onde a luz do dia tornou bem visíveis as cicatrizes deixadas pelos incêndios que lavram na ilha desde segunda-feira. Governo da Madeira vai solicitar apoio financeiro imediato ao Estado.

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Vista aérea da destruição Paulo Vasconcelos Freitas
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Vista aérea da destruição Paulo Vasconcelos Freitas

Quando o fogo chegou, a família estava a jantar. Era terça-feira, dia de Carina visitar a casa dos pais ali na Achada, na zona baixa de São Pedro. Antes do jantar tinha estado no terraço da casa da mãe a filmar com o telemóvel as chamas que ardiam longe, um pouco por todo o Funchal. “Pensamos sempre que estas coisas só acontecem na casa dos outros, não é verdade?”, pergunta a mulher de 32 anos, como se tentasse justificar a decisão de ali ter ficado.

Desceu, sentou-se à mesa para jantar. Mal tinha tocado no prato e uma vizinha batia à porta, aflita. “As chamas estão a chegar.” Carina e o marido agarraram no filho de três anos, ela gritou para o marido. Apressou o pai e a mãe, que teimava em levantar a mesa do jantar, chamou uma tia que também lá estava e fugiram em direcção ao carro.

Foi uma loucura. Havia chamas em volta. Choviam faúlhas incandescentes, e enquanto desciam a rua apertada — no Funchal antigo, todas as ruas são apertadas —, por entre populares agarrados a mangueiras, viam as labaredas pelo retrovisor do carro. “Nunca imaginei viver nada assim”, desabafa ao PÚBLICO. Nunca ninguém imaginou.

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Não há lugares seguros

A parte baixa do Funchal sempre foi um lugar seguro. Mesmo quando os incêndios devastavam as zonas altas, ou quando as ribeiras galgavam as margens e levavam tudo à frente, ao centro da capital madeirense chegavam apenas o fumo das casas e florestas queimadas ou o mar de lama e rocha dos aluviões. Foi assim nos incêndios de Agosto de 2013. Foi assim no temporal de Fevereiro de 2010. Não foi assim este ano.

Os incêndios, que varrem o Funchal desde a tarde da última segunda-feira, começaram devagarinho, numa das freguesias limítrofes da cidade. Em São Roque, junto à floresta que desce pela cidade como dedos de uma mão, foi avistada a primeira coluna de fumo. Estreita, quase inocente e inofensiva. Mas o tempo quente e seco — as temperaturas têm rondado os 37 graus — e o vento forte, que ora sopra para Sul, ora para Norte, pegou essas chamas no colo e atirou-as ao ar.

Para já, e a matemática humana ainda não está fechada, tal como os incêndios não estão extintos, fala-se de três mortos, um desaparecido, dois feridos graves — um dos quais transportado para a Unidade de Queimados do Hospital de Santa Maria, em Lisboa —, 147 ligeiros, mais de um milhar de deslocados, largas dezenas de habitações destruídas, um hotel de cinco estrelas ardido, monumentos históricos perdidos, dois hospitais evacuados e uma tempestade de caos bem no centro do Funchal.

A Sociedade Protectora dos Animais Domésticos (SPAD), que acolhe cães e gatos abandonados, chegou a ponderar soltá-los face à proximidade do fogo. Acabaram por ser todos transferidos para uma unidade privada.

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Cenário de guerra

A cidade, esta manhã, parecia um cenário de guerra. Vista da baía, onde milhares e milhares de pessoas se refugiaram durante a noite para fugir às chamas e ao fumo, vêem-se aqui e ali colunas cinzentas. Ouvem-se sirenes de emergência. Contam-se, pelas ruas, os olhares de espanto. São poucos, porque o governo deu folga aos funcionários públicos que não estão directamente envolvidos nos combates aos incêndios.

O pior, garantem as autoridades regionais, já passou. Mas a população desconfia. Critica até. O pior já tinha passado na segunda-feira e a madrugada foi de terror. O pior já tinha passado na tarde de terça-feira e o fogo cresceu e invadiu as ruas e ruelas da baixa da cidade. Uma igreja, das primeiras construídas na ilha, foi atingida. Prédios classificados são agora esqueletos negros.

De Lisboa chegaram reforços. Mais de uma centena de bombeiros e elementos da GNR. Dos Açores vieram outros 20. O Presidente da República chega hoje, para visitar as populações afectadas. António Costa avalia os danos amanhã. De Lisboa vão chegar também dois funcionários consulares da embaixada do Reino Unido para ajudar os cidadãos britânicos, em particular os turistas. Ao início da tarde soube-se também que o Governo português já accionou formalmente o mecanismo europeu de protecção civil. Para já, um avião Canadair italiano virá para Portugal ajudar no combate aos fogos.

Miguel Albuquerque, o líder do executivo madeirense, rejeita a palavra “catástrofe”. Complicado, sim. Muito complicado, mas garante que a Madeira vai dar à volta por cima. Tem dado sempre, sublinha. O Conselho do Governo Regional da Madeira decidiu entretanto solicitar apoio financeiro ao Estado para custear a reconstrução e recuperação das infra-estruturas e actividades económicas e sociais afectadas.

Para já, depois dos danos, das vidas perdidas, as preocupações são para o turismo, o ganha-pão do arquipélago. Dois hotéis tiveram que ser evacuados na noite de terça-feira. Um deles, o Choupana Hills, um cinco estrelas de luxo, que tinha saído com sucesso de um Plano Especial de Revitalização, foi completamente consumido pelo fogo.

Os turistas foram alojados no Estádio dos Barreiros, transformado em  campo de refugiados improvisado. Com filas de camas de campanha alinhadas, e turistas confusos, agarrados ao telemóvel, ali à volta. Os madeirenses, largas centenas deles, que tiveram que fugir das chamas, foram levados para um quartel do exército. No RG3 estão a receber acompanhamento médico e psicológico. Têm recebido também alimentos, que, mesmo antes de o governo pedir a solidariedade da população, já estavam a chegar pelas mãos de quem não conseguiu ficar indiferente à tragédia que se abateu sobre a cidade. São cerca de 600 pessoas que ali estão, à espera de voltar não sabem bem quando, nem para onde.

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Nem todos tiveram a mesma sorte

No terreno, e depois de uma noite e madrugada que fez as primeiras vítimas mortais, encontradas carbonizadas em duas habitações próximas do centro da cidade, a situação está aparentemente mais calma. Existem ainda algumas frentes, que ameaçam casas e bens, mas nada que se compare ao inferno da véspera.

As principais preocupações são agora para a Oeste da capital, no concelho da Calheta, onde o fogo andou também violento durante estes dias. As chamas passaram também por outros dois concelhos — Ribeira Brava e Ponta do Sol —, todos na costa Sul da ilha, que Albuquerque quer que volte rapidamente ao normal. Ao início da tarde, no final de uma reunião extraordinária do executivo, o presidente madeirense anunciou que o levantamento dos bens destruídos ficará pronto em duas semanas.

Os incêndios não pouparam ninguém — ou quase ninguém. O ex-candidato presidencial do PCP, Edgar Silva, teve que fugir de casa com a família. Refugiu-se junto ao mar e, entre o desespero, criticava a forma como o governo madeirense estava a lidar com a catástrofe. O correspondente da TVI na Madeira, Mário Gouveia, depois de 48 horas a cobrir os acontecimentos, também teve que correr para casa. Trocou o microfone por uma mangueira, e enfrentou as chamas. Conseguiu.

A casa dos pais de Carina salvou-se. Voltou lá esta manhã com o coração nas mãos. Encontrou um rasto de destruição. Vizinhos que ficaram sem tecto, mas a moradia onde cresceu mantinha-se de pé. Nem todos tiveram a mesma sorte.

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