"Almofada" financeira prometida a Bruxelas nunca ficou intacta nos últimos anos

Entre 2009 e 2015, a reserva orçamental a que o Governo agora quer recorrer em caso de desvio foi sempre usada, algumas vezes quase ao limite.

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Ministro das Finanças promete ainda efectivar as cativações e reduzir despesas com salários Daniel Rocha

O histórico dos últimos anos mostra que uma das promessas feitas à Comissão Europeia pelo executivo de António Costa para provar que as contas públicas estão no bom caminho e que Portugal não deve ser alvo de sanções poderá ser difícil de cumprir. Um dos compromissos passa por manter intacta uma reserva de quase 200 milhões de euros prevista no Orçamento do Estado (OE) de forma a garantir que Portugal atingirá um défice de 2,2% este ano. No entanto, esta “almofada” financeira tem sido usada, muitas vezes quase ao limite, pelos anteriores governos.

O compromisso de não usar esta reserva, um item que é inscrito em todos os orçamentos para dar resposta a despesas não previstas, consta da carta que António Costa e Mário Centeno dirigiram à Comissão Europeia na passada segunda-feira. No documento, refere-se que esta verba (que o Governo calcula em 196,6 milhões de euros, mas que estava estimada em 193,2 milhões no relatório que acompanhou o OE para este ano) poderá ser usada “em caso de maiores desvios” orçamentais.

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Ou seja, como este dinheiro está contabilizado no défice, o facto de não ser utilizado melhora automaticamente as contas públicas. É um facto que, até Maio, apenas uma parte residual desta “almofada” tinha ainda sido usada, como fez notar a Unidade Técnica de Apoio Orçamental, embora sem revelar valores concretos. Mas o que os últimos anos provam é que a reserva nunca tem ficado intacta, como o actual Governo promete.

Nesta quarta-feira, Bruxelas vai dar início à discussão sobre as sanções a aplicar a Portugal e Espanha, numa reunião do colégio de comissários. Mas a decisão final só é esperada para a próxima semana, até porque a Comissão Europeia dispõe de 20 dias para analisar o tema, a contar a partir da decisão do Ecofin (12 de Julho).   

“Almofada” ao uso

Uma análise feita pelo PÚBLICO, com base nos cálculos que constam na Conta Geral do Estado (CGE), mostra que, entre 2009 e 2015, os anteriores executivos (liderados por José Sócrates e por Pedro Passos Coelho) usaram, em média, mais de 70% das verbas previstas para cada ano. A fasquia mais baixa foi registada em 2012, quando, da "almofada" de 246,8 milhões de euros inscrita no OE, sobraram 127,9 milhões – o que representou uma taxa de utilização inferior a 50%. Mas também houve anos em que esse patamar chegou quase aos 100%, como aconteceu em 2013 (dos 274 milhões reservados, ficaram apenas 500 mil euros).

As justificações têm sido várias para explicar o sucessivo recurso a esta "almofada". Em 2010, quando 82,6% dos 303,1 milhões foram gastos, a explicação foi “o reforço de necessidades de financiamento das despesas com pessoal”, lê-se na CGE. Já em 2015, quando a taxa de utilização rondou os 52% (de um total de 435,1 milhões), além dos custos com pessoal nos ministérios da Educação e da Administração Interna, também contribuíram para o uso da "almofada" do Estado a aquisição de bens e serviços do Ministério da Justiça e um aumento das verbas para o combate a incêndios. Além desta reserva, os orçamentos contêm outras verbas destinadas a satisfazer despesas não antecipadas: as dotações provisionais, que têm igualmente sido usadas sem grande contenção por diferentes governos.

Mais saídas do que previsto

A intenção de manter intacta esta “almofada” do Estado é apenas uma das três promessas que o executivo de António Costa fez a Bruxelas. Na carta, assume-se também o compromisso de poder tornar efectivas as cativações de despesa adicionais previstas no OE para 2016, no valor de 346,2 milhões de euros (cerca de 0,2% do PIB), e com isso compensar os efeitos negativos que um desempenho económico mais fraco terá sobre o défice.

Além disso, o Governo disse a Bruxelas que a eliminação dos cortes salariais custará menos 97 milhões do que o previsto, gerando “uma almofada extra na execução orçamental”, fruto da saída de mais trabalhadores do que o esperado e do controlo de novas admissões. O executivo tinha inscrito, no orçamento para este ano, um custo total de 447,2 milhões de euros com a eliminação gradual (até Outubro) das reduções que estavam ser aplicadas aos salários acima de 1500 euros brutos. Mas afinal, a despesa será menor.

Questionada pelo PÚBLICO, fonte oficial do Ministério das Finanças esclareceu que a “descida da despesa é motivada não só por uma revisão da prudência inicial tida no cálculo para o OE para 2016, como também pelos resultados dos mecanismos de controlo existentes relativamente a novas admissões e à verificação de um maior número de saídas de trabalhadores da função pública”.

Isso não significa contudo, que a saída de trabalhadores tenha sido superior às entradas nos primeiros meses deste ano. Bem pelo contrário, os dados relativos ao comportamento do emprego público no primeiro trimestre de 2016 mostram que houve um aumento de 0,8% do número total de trabalhadores em relação ao período homólogo e uma subida de 0,6% em relação ao final de 2015.

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