A três dias do referendo, luto em Westminster e optimismo sobre a permanência

Enquanto deputados e líderes discursavam sobre Jo Cox em Westminster, as bolsas europeias festejavam uma lufada de ar fresco na campanha a favor da União Europeia.

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David Cameron durante a cerimónia de pesar na Capela de Saint Mary Undercroft, em Westminster Yui Mok/Reuters

Nunca o peso do surpreendente homicídio de Jo Cox se sentiu com tanta evidência sobre as duas campanhas no referendo britânico como nesta segunda-feira, dia em que Westminster se reuniu em luto para recordar a deputada trabalhista assassinada há uma semana por um homem aparentemente movido pela versão radical do sentimento nacionalista e anti-imigração que mexe com muita da campanha do “Brexit”. A apenas três dias do voto, aliás, nada na agenda mediática britânica se aproximou sequer dos votos de pesar no Parlamento, onde cada menção à “compaixão” ou “humanidade” de Cox dificilmente passava sem um tom de censura ao discurso inflamado de uma parte do campo anti-Bruxelas. 

“Jo Cox não acreditava apenas em amar o seu vizinho, mas também o vizinho do seu vizinho. Ela via um mundo de vizinhos e acreditava que todos tinham a mesma importância”, afirmou o líder do Partido Trabalhista, Jeremy Corbyn, o primeiro a falar numa tarde de discursos emocionados. “Devemos aperceber-nos de que o seu homicídio é um ataque à nossa democracia. Na tragédia da sua morte, podemos unir-nos para mudarmos a nossa vida política, tolerarmos um pouco mais e condenarmos um pouco menos”, disse, citando também, como fez depois o primeiro-ministro David Cameron, um excerto do primeiro discurso de Cox no Parlamento, em nome da diversidade e benefícios da imigração: “Temos muito mais em comum do que o que nos divide.”

A morte de Cox fez com que Corbyn e Cameron se unissem em manifestações de luto como ainda não o tinham feito na campanha a favor da permanência do Reino Unido na União Europeia. Numa questão de dias, os dois líderes partidários surgiram lado-a-lado em Birstall, onde Cox foi baleada e esfaqueada, e novamente esta segunda-feira na capela de Saint Mary Undercroft, onde ambos depositaram ramos de flores em nome da deputada, uma admirada voz na protecção da diversidade étnica e pelo voto a favor da UE. Mas era a poucos quilómetros das cerimónias de pesar em Westminster que o eleitorado pela permanência recebia as mais fortes imagens de optimismo para o referendo desta quinta-feira.

A bolsa de Londres disparou 3% esta segunda-feira, animando as principais praças europeias, fazendo a libra valorizar como não acontecia desde 2008 e dando um dos reflexos mais tangíveis da lufada de ar fresco que soprou durante o fim-de-semana sobre a campanha pela permanência. As mais recentes sondagens dão conta de uma queda generalizada no voto pelo “Brexit”, que agora surge empatado ou ligeiramente abaixo do voto pela permanência, quando até à última semana estava na tendência contrária. Acontece o mesmo nas casas de apostas: muitas voltaram a dar mais de 70% à hipótese de um voto de permanência — nas últimas 24 horas, anunciou a Ladbrokes, 95% das apostas foram nesse sentido.

A maioria das sondagens publicadas durante o fim-de-semana foi realizada antes da morte de Jo Cox, sublinhando o argumento de que a inversão no sentido de voto e semelhante à que se testemunhou no referendo pela independência da Escócia, onde o voto de ruptura perdeu muito peso nos últimos dias. Mas a primeira sondagem telefónica conduzida depois do homicídio deu também uma das maiores vantagens à permanência — 45% contra 42% — e James Morris, especialista em sondagens e ex-responsável trabalhista, escrevia esta segunda-feira que as pessoas mais favoráveis à permanência são também as mais difíceis de contactar e é provável que estejam sub-representadas nas sondagens.

A campanha a favor do “Brexit”, por outro lado, atravessa ainda dificuldades para encontrar uma voz mais branda depois do homicídio de Jo Cox. Os seus momentos mais mediáticos continuam a pertencer a Nigel Farage, a sua figura mais controversa, enquanto homens como Boris Johnson e Michael Gove parecem relegados para segundo plano. Esta segunda-feira, por exemplo, o líder do UKIP continuou a ter de responder pelo polémico cartaz de campanha com a fotografia de uma grande fila de requerentes de asilo, em campo aberto, capturada no último ano na Eslovénia. “À beira do colapso”, lê-se nas suas letras garrafais, divulgadas no mesmo dia em que a deputada trabalhista foi assassinada e que por agora se tornaram sinónimo dos excessos de linguagem que contribuíram para a sua morte.

Stephen Kinnock, seu amigo de longa-data e deputado trabalhista, que esta segunda-feira protestou contra a campanha de Farage em Westminster. “A Jo teria respondido com indignação, recusando veementemente a narrativa calculista do cinismo, divisão e desespero que [o cartaz] representa. Porque a Jo compreendia que a retórica tem consequências. Quando a insegurança, o medo e a ira são usados para acender um rastilho, então uma explosão torna-se inevitável.”

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