Portugal já foi o bom aluno da Europa, mas agora é uma incógnita

A partir de Bruxelas, Portugal é visto ora como um exemplo a seguir – na questão dos refugiados – ora como um elemento em divergência – em matéria de contas.

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Jeans Claude Juncker dá uma plamadinha nas costas ao primeiro-ministro português Yves Herman/Reuters

A agenda da União Europeia nunca foi tão complexa: o Reino Unido ameaça sair, extremos opostos assumem-se na esfera política, não há uma resposta conjunta na assistência aos refugiados e a recuperação económica está longe de ser extraordinária. Olhando para as duas últimas questões – a crise dos refugiados e a situação económica , Portugal assume uma posição, no mínimo, antagónica. Se numa é visto como exemplo a seguir, na outra intensifica divergências na União.

As tão mencionadas sanções são talvez o tópico que mais tem dominado a relação entre Portugal e a União Europeia nos últimos meses. Portugal não cumpriu com os compromissos orçamentais em 2015 e, como tal, pode ser punido. Mas a decisão sobre a aplicação ou não de sanções ao país, adiada para o início de Julho, continua a dividir o bloco europeu, apesar de ter gerado uma onda consensual de repúdio em Lisboa.

“A Comissão Europeia devia propor sanções,” assume Clemens Fuest, presidente do instituto alemão IFO. “Se a Comissão quer evitar que se perca ainda mais a credibilidade (das regras orçamentais) não há alternativa,” acrescenta.

 O instituto alemão concluiu, no final de Maio, que Portugal está no topo dos países europeus que menos cumpriram as regras orçamentais europeias. Entre 1999 e 2015 foram dez as vezes em que Portugal registou um défice acima do limiar dos 3%.

À sua frente está apenas a França, que violou o tratado 11 vezes durante o mesmo período.

Ora, é exactamente na França, e também na Itália, que o Governo de António Costa encontra apoio contra as sanções de Bruxelas. Ambos os países crêem que é “injusto” colocar mais problemas económicos, através da aplicação de multas e perda de acesso aos fundos europeus, a um país que ainda sente os efeitos da crise financeira.

Mas, por outro lado, tanto a Alemanha como Banco Central Europeu acreditam que a não imposição de medidas correctivas pode levar a um desrespeito geral pelas regras europeias.

O não cumprimento do défice levanta ainda questões sobre como os diferentes países são tratados por Bruxelas.

O próprio presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, sugeriu que há uma diferença na forma como Bruxelas lida com as várias capitais. Quando questionado sobre os perdões consecutivos que Paris tem recebido apesar das contínuas falhas orçamentais, sem nunca ter sido alvo de sanções, Juncker disse: “A França é a França.”

Quem não gostou das declarações foi Jeroen Dijsselbloem, que lidera as reuniões dos ministros das Finanças do euro. Para o ministro holandês, qualquer diferença na aplicação das regras questiona tanto o papel da Comissão Europeia como o respeito pelos tratados europeus.

“Se o presidente da Comissão diz que as coisas se aplicam de forma diferente para a França, então isso prejudica realmente a credibilidade da Comissão como guardiã do pacto”, afirmou.

As possíveis sanções são relativas a desvios orçamentais no ano de 2015. No entanto, há dúvidas até que ponto o Governo de António Costa vai conseguir atingir os seus objectivos económicos ainda durante este ano.

O ministro Mário Centeno aponta para um défice de 2,2% do PIB em 2016. No entanto, as previsões económicas da Comissão Europeia estimam um défice de 2,7%. É certo que o número de Bruxelas é inferior à linha dos 3%, mas, ainda assim, Portugal não ficaria livre de alertas da Comissão pela condução das suas contas este ano: a CE exige, no máximo, um défice de 2,3% em 2016.

A desaceleração da economia mundial, bem como a reversão de políticas de austeridade, deixam instituições como o Fundo Monetário Internacional, a OCDE e até o Banco de Portugal preocupados com a economia portuguesa. O BdP reconhece riscos internos e admite que possam ser precisas medidas extra para que o défice fique nos 2,2% que o Governo quer.

A recapitalização da Caixa Geral de Depósitos também não ajuda: Não se sabe ainda quanto custará a operação e qual o seu impacto nas contas deste ano.

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